sexta-feira, 17 de março de 2023

A catedral de pedra da pesquisa científica: A arte da observação e da experimentação.

Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 11 – Nº 0009. Março/ 2023 – São Raimundo Nonato.

Papper. 

FARIAS, Gênesis Naum de. A catedral de pedra da pesquisa científica: A arte da observação e da experimentação. In:FARIAS, Gênesis Naum de; FARIAS, Enos André de. (Org,s.). O Teatro das Ideias Pedagógicas. – São Paulo: Scortecci, 2023. Livro no prelo.


O Astrônomo, 1668. © Johannes Vermeer. – Óleo sobre Tela. (51 x 45 cm).

Gênesis Naum de Farias.[1]



Quando se ouve o termo pesquisa científica, logo o leitor desavisado se reporta às velhas ideias paradigmáticas. Os pesquisadores como os alquimistas, quase sempre, foram vistos como pessoas movidas por algum interesse intelectual ou pelo misto da ganância, da religiosidade ou da ciência aplicada, que buscam transmutar contextos, transformar realidades e projetar soluções específicas para um mundo possível. Em geral, são indivíduos que contribuem para fomentar os saberes e modificar os acontecimentos. Nesse quesito, os alquimistas, assim como os pesquisadores sérios, deixaram registrado nos anais do tempo a base científica que é utilizada hoje nas pesquisas com alimentos, plantas, tecnologias e outros derivados.

Há uma tendência fatídica em ver o cientista como um religioso egoísta e sem propósitos. Já os alquimistas, como eram mais religiosos do que cientistas, legaram para si a infame maldição dos seres heréticos, mas o que não pode cair no esquecimento é o fato que foram eles que descobriram os elementos químicos e, pouco se aproveitou do fato que possuíam alguma filosofia carreada pela história. Nesse contexto, surge a ideia de pessoas que tentaram achar o tão misterioso segredo para prolongar a vida. Mas expressões como pedra filosofal ou o próprio elixir da longa vida não são achados populares ou conhecimentos vagos. Antes, passaram por uma testagem factual e por avaliações contundentes que expressam sentenças valoradas pela comunidade científica.

A deformação aliada à desinformação histórica é que colocaram os alquimistas na condição imposta pela ficção, ou como modelo de cientistas que não se deve levar em consideração. No entanto, a alquimia como a ciência moderna tem bases muito sólidas: ambas nasceram com os sábios da Grécia, foram aprimoradas na China, se desenvolveram na Arábia e no Egito, onde desencadearam outras transformações pela arte do pensar. Tudo isto aconteceu muito antes do século XIII, quando se considera ter nascido o pensamento Ocidental.

O importante na produção científica é investigar, compreender e retirar a verdade do que há por trás de todos esses achados arqueológicos. A ciência se desenvolveu nesse ínterim e, com ela se interpretou os símbolos, se explicou as expressões, se revelou as ilustrações, e outras infindáveis notas historiográficas foram sendo validadas por conta das informações deixadas como registro pelo homem daquilo que haviam descoberto no passado mais que remoto. A alquimia como arte nasce nesse universo e, com ela, a ciência formal.

A pesquisa científica é o modo de se trabalhar com resultados pontuais e, sob essa premissa nasce a verificação que retifica a aprendizagem, fazendo desse objeto uma abordagem que em processo vai tecendo os liames para o desenvolvimento humano. O momento da aferição no aproveitamento científico não se fecha nele mesmo, mas se amplia para ser observado dentro de contextos específicos. Não é diferente das descobertas feitas pelos alquimistas que misturavam ingredientes e tentaram revelar Deus por meio de práticas simbólicas que expressavam a identidade química da alteridade.

Atentando-se ao período medieval, sabe-se que tanto a alquimia quanto a ciência moderna nasceram praticamente do enlevo de homens que se detiveram nos ensinamentos contidos nos textos árabes, que por sua vez tem origem no mundo helenístico e em Caldeia. Muito se tem notado o simbolismo alquímico em catedrais, palácios e casas senhoriais mostrando certa adesão a esse passado glorioso e hermético, cheio de descobertas e filosofias.

É constante observar a presença dos símbolos alquímicos nas cozinhas e nos preparos de alimentos das casas coloniais, bem como o ícone do sol, da lua e dos elementos do mercúrio nas antigas sinagogas góticas. Na verdade, a cultura Ocidental Cristã está repleta dessa simbologia. Isso remete a ideia de que a verdadeira alquimia científica na qual falava os monges medievais não era de forma alguma somente um fator externo, era algo que se projetava do interior da mentalidade da época. Ou seja, dentro do homem que se queria moderno. O alquimista era um cientista que se modificava por dentro para produzir a explicação da realidade a ser constantemente modificada.

Essa transmutação interna gerou a mentalidade moderna. Ou seja, transmutar é fazer uma coisa virar outra. Isso aconteceu com o homem no medievo e aconteceu com o homem na modernidade. Esse fenômeno acontece abundantemente na natureza e se perdura nas plantas que geram frutos, nas seivas que geram fragrâncias, no interior do organismo humano que faz qualquer alimento virar sangue, células, tecidos, na terra que decompõe tudo para gerar novas formas de vida e, tantas outras coisas que se modificam em função de fatores geológicos. A causa disso está nos elementos químicos que se agrupam fazendo novas transformações e desfazendo outras tantas.

A transmutação feita pela natureza foi desde sempre o objeto da ciência. Graças a esses estudos, feitos no passado, é que se chegou à concepção de modelagem. Os alquimistas chamam essas transformações de transmutação metálica. E como se chegou a tais inventos? Observando os fenômenos da natureza! A natureza cria tudo. Ela carrega no seu bojo o ouro e a prata para adornar os templos, os materiais derivados das rochas e toda sorte de metais para a construção dos grandes palácios, o mercúrio, o sódio, sais e outras substâncias para incrementar o sabor dos alimentos.

A pesquisa acadêmica nesse sentido, conclui uma síntese universal ao afirmar, de forma factual, que a transmutação metálica é algo que se dá por dentro e pode se ater a outras descobertas. Por isso se faz necessário entender que grande parte dos elementos químicos existentes na natureza, também existem no corpo humano em nível atômico.

Esses elementos se distribuem por infindas dimensões. Na natureza, por exemplo, para se organizar a música, as cores e os dias da semana é importante aplicar conhecimentos específicos sobre essas dimensões. Elas possuem sete coordenadas, por isso existem sete dimensões na natureza, porque o sete é o número que organiza tudo.

Aceitando essa realidade mística, conclui-se que o corpo humano também se estende em cada uma dessas dimensões. Neste caso, o trabalho da transmutação de energia se processa em todas essas etapas. Porém há transformações mecânicas que se refletem nas transformações conscientes.

No passado, os alquimistas propuseram, conscientemente, transmutar uma quantidade grande de energia e qualificá-la a ponto de permitir que se realizasse uma mudança radical, que ia do corpo físico ao corpo sutil do ser humano, transformando-o radicalmente. É uma verdadeira ressignificação interna e, por isso, chamaram-na de Magna Opus ou a Grande Obra.

Por essa razão, uma das frases que mais referencializa os alquimistas é aquela que lembra a importância de “Transformar o chumbo da personalidade no ouro do espírito”. Essa frase é a que mais representa a ciência feita por esses eremitas em busca do tempo perdido. Mas de onde pretendiam tirar essa energia de boa qualidade e suficientemente forte para explicar a regência do ser pelo próprio ser? Ao chegarem a tais conclusões, os alquimistas voltaram seus olhos de pesquisadores para a energia social. Isso é facilmente entendível, já que na semente da desestrutura social está o potencial energético para fazer uma motivação gerar vida ou produzir uma revolução.

É inquestionável a energia que a semente da desestrutura social possui. É só analisar a base social daqueles que não possuem condições de se alimentar regularmente. Falta-lhe tudo! Falta arroz na mesa, feijão no prato, brotos, milho, soja e tantas outras especiarias que não atendem aqueles que passam fome pelos rincões do vasto mundo dos homens nus.

No homem, essa semente, logicamente, é o germe do sonhar, é o sêmen que ativa a libido atômica da demanda, ao querer participar das transformações do mundo possível. Mas como fazer para liberar a energia contida na centelha do humano demasiado desumano?

A ideia contemporânea do uso da fissão nuclear para ameaçar a vida no planeta não é uma invenção nova. Os alquimistas do passado como aqueles que fazem pesquisa aplicada no presente já propunham essas ideias desde os tempos do astrônomo Galileu Galilei, só que em nível celular. A base da fissão nuclear é partir um átomo ao meio e, com isso, liberar uma quantidade estrondosa de energia.[2]

Se isso acontece com um átomo, acontece com a semente do humano demasiado desumano. Os alquimistas perceberam a necessidade de liberar essa estrondosa energia dentro do corpo, na alma das pessoas, no veio emocional que corre dentro de cada um, ao buscar para si e para a coletividade um saber-fazer que de fato modifique a realidade indesejada. Ou seja, para dentro e para cima. Mas como isso poderia deslocar o ser humano?

Em muitos desenhos alquímicos se viu o homem em permanente mutação. É essa mutável concepção que ferve a água do caldeirão dos bruxos. Isso remete o sujeito a uma alegoria direta ao ato de questionar-se. A função do questionamento numa pesquisa faz os corpos elevarem a temperatura. Então, por meio do questionamento de si, é possível liberar a energia contida no sêmen, provocando uma experiência de aprendizagem que passa a ter força necessária para realizar a Grande Obra. Nisso, o pesquisador em formação é capaz de escrever seus próprios desenhos de mudança, quando acordar da letargia a qual estão submetidos e começarem a enumerar seus feitos nesse estado de coisas chamado planeta Terra, cheio de infindas imperfeições.

Os símbolos alquímicos são artefatos primorosos para se entender todo esse processo. O enxofre é o fogo necessário para fazer chumbo virar ouro e, o sol é o elemento transformador das leituras mais conectadas com a realidade; mercúrio, prata e lua são os elementos energéticos que farão os novos cientistas ativarem suas moléculas pelo canal medular e, a ereção disso tudo será transformar a serpente em conhecimento. O Caduceu de mercúrio é o símbolo do poder de transformar o objeto impuro em acontecimentos mais puros. Por isso, estudar e compreender o papel da ciência no seu formato prático é perceber a direta relação que está reservada dentro de cada novo pesquisador ao criar seus projetos de pesquisas para querer achar o caminho que conduzirá a humanidade a uma libertação final.

Nesta nova empreitada para juntar e formar novos pesquisadores, a semente está lançada no vasto prado das incertezas, mas a conquista de cada um é a conquista da maioria. Por isso o livro O Teatro das Ideias Pedagógicas é um feito de som e movimento para fazer as humanas gentes da academia passar a pensar como fizeram na Idade Média os alquimistas, que plantaram sonhos em terrenos inférteis e foram punidos por tentarem acordar a humanidade do sono infernal da desordem espiritual...    

Gênesis Naum de Farias.

Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima – São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano.  

Quinta dos Inválidos, 03 de Setembro de 2022.

Imprensa Foucaultiana® 

Ω


[1] Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima - São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano. Com formação em Pedagogia e Especialização em Gestão Escolar pela Faculdade Montenegro.

[2] A reação de fissão nuclear ocorre quando um núcleo atômico pesado e instável é bombardeado por nêutrons, produzindo dois núcleos menores, neutros e energia. A palavra fissão significa uma cisão, quebra, fragmentação ou divisão.


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