sábado, 16 de abril de 2022

Por que nunca fomos modernos?

Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 10 – Nº 0008. Abril/ 2022 – São Raimundo Nonato.


Resenha. 

LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos: Ensaio de antropologia simétrica. – São Paulo: Editora 34, 2019.


Vila do Sossego, 2018. © Gênesis Naum de Farias. 
− Óleo sobre Tela (0.50 x 0.60 cm).


Gênesis Naum de Farias.[1]

 

 

O descomedimento humano parece ser a resposta a tão profunda pergunta. O descomedimento é um conjunto de pulsões, morte e renascimentos que marcam a vida humana. Os processos civilizatórios nascem dessas descontinuidades e são produtos e produtores de barbáries porque estabelecem caminhos de regeneração. Aqui o homem se depara com o processo dos saberes, porque tanto o empirismo como a verificação e a imaginação vai dando os nortes para aquilo que ficou marcado pelo Humanismo no século XVI ao tentar racionalizar a esperança diante da forte ilusão provocada pelas incertezas.

Com a queda do Muro de Berlim em 1989, se acentuou uma marcha crescente pelo humanismo planetário. As contradições se acentuaram, e diante de tantas ambivalências, o mundo moderno foi contaminado pela complexidade da luta por novos mercados.[2] Para o pensador francês Edgar Morin essa questão abre espaço para o incessante caminho das renovações, ao tempo em que expõe um universo de muitas incompreensões.

Não se deve esperar uma solução rápida para a questão proposta, visto que o mundo moderno vive seus piores dias mergulhados nas vicissitudes históricas e na emergência frugal dos totalitarismos, onde as descrenças na política e suas contradições demarcam territórios de exclusão, repressão, controle e vigilância através de projetos pessoais de poder. Torna-se urgente retomar os pressupostos político-filosóficos da consciência planetária para barrar o avanço das “novas invasões bárbaras” como lenitivo de evocação para o humano já demasiadamente desumano.

Tal contexto infere uma resistência mais ousada frente ao fenômeno que segue os termos propostos pela “modernização”. Bruno Latour em Jamais Fomos Modernos tentou dar um significado preciso ao desmedido universo da polissemia criada para o homem moderno ao usar como referência a relação estabelecida no século XIX entre o homem e a natureza. Neste caso, o mundo dos humanos e o mundo dos não humanos.[3]

A noção de modernização passa pela ideia de emancipação. Nesse ínterim, fica evidente que a destinação que qualifica o emaranhado de conceitos que valoram os sujeitos, entre “humanos e não humanos”, toma outras direções e requer outros entendimentos, passando a redesenhar o modelo de sociedade vigente. Ou seja, a modernização que engloba o planeta, fornecendo-lhe uma identidade fixa, perde-se nos protocolos de sua própria ineficácia. O fim da emancipação humana segue seu destino único. Suprime o passado e corrói o presente. Latour vai afirmar “[...] nós não sabemos mais quem somos, nem, é claro, onde estamos, nós que pensávamos que éramos modernos...”.[4]

Imerso nesse caos conceitual, o homem tem diante de si a necessária opção de se metamorfosear utilizando as ferramentas que possui para avançar em meio ao degenerado estado das coisas. Esse embate entre o humano e o não humano é o sinal da regeneração da espécie para tornar a vida suportável, quando a modernização dos processos o questionar insistentemente. Não se trata mais de adaptação. A questão já se perdura pelo olhar da sobrevivência. A crise cultural aliada à crise moral, tendo como cenário o conjunto de portais que falam em nome da ciência, do progresso, da instrumentalização técnica e do mercado encerram-no na chamada hipermodernidade; ambiente este que se produz por meio de tantas contradições, tantas ambivalências, tantas exclusões e tantas violências em nome da uniformidade imposta pela globalização.

Nesse contexto, a educação das mentalidades parece, ainda, uma possibilidade a ser alcançada e os desafios não são poucos, tendo em vista à necessidade de se repensar a mesma para a convivência com os diversos estágios da produção do conhecimento. O exposto requer uma ação mais firme no que tange uma ampla reflexão que venha extrapolar o senso técnico empregado nas implicações da aprendizagem.

A proposta passa pela perspectiva de quem está diretamente ligado aos procedimentos educacionais numa sociedade capitalista, ao buscar respostas para os desafios do ensino em qualquer área como parte do processo que ampliará a importância dos estudos sobre o capital na formação da sociedade contemporânea pelas ações curriculares.

Na verdade, os saberes culturais seguem na direção proposta pelas ações do currículo crítico e necessitam de mais projeção ao serem trabalhados no ambiente escolar como conteúdos que tragam relevância ao trabalho docente, mesmo quando este esteja na esfera da profissionalização ou até na panorâmica de se repensar os paradigmas estruturantes para a comunidade na qual está atuando.

Ao resenhar sobre a ideia de modernização numa era planetária onde o diferente é imutável e a estética do presente se configura como um relato abreviado das projeções do novo modelo de mercantilização da cultura dominante se faz necessário discutir o que a “sociedade pós-industrial” pretende experienciar com o desenvolvimento científico desenvolvido pelo emergente entendimento que permeia o diálogo com a realidade ampliada no âmbito educacional.

Em Condição Pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural, o autor prevê algumas reflexões e interpretações feitas às contradições complementares impostas pela indústria cultural quando moderniza o senso prático do consumo pelos incrementos do universo capitalista. Condição Pós-moderna escrito por David Harvey, é uma obra de pesquisa sobre as origens das mudanças culturais que ao longo dos anos tem se tornado referência fundamental para os estudos culturais na Pós-modernidade.

Na verdade, Harvey traça um paradoxo entre a ascensão das diversas formas de atuação cultural ampliando o horizonte conceitual do tempo-espaço na organização do capitalismo, implicando transformações sérias para o ciclo atual do sistema ao se modernizar para acumular outros “desejos” na passagem da Modernidade.

Harvey, que é geógrafo de formação, mas atenta-se a outras analises conjunturais vai bem além das regras impostas pela condução compreendida entre uma sociedade modernizante, que vive seus dias de transformação numa outra fase da revolução industrial, e os elos empreendidos pela cultura contemporânea. A experiência do tempo-espaço é questionada de forma abrangente e se amplia ao abarcar a condição humana envolta numa desumanidade de acumulação flexível. O geógrafo, ao teorizar sobre a transição proposta para fundamentar o fetichismo dos impulsos humanos, exemplifica como a coisificação dos sujeitos passa pela ascensão do modernismo como força cultural.

Trata-se de ampliar a aceitação do domínio do homem pelo homem e cercá-lo de proposições incisivas na sua relação com a mudança social e política. Dessa forma, trama novos aspectos para sua regulação pelo Estado, dando novos sentidos ao projeto de emancipação humana no mundo moderno.

As dimensões da crise estrutural do capital têm um sentido prático quando é percebida de forma muito aberta às diversas possibilidades oferecidas pelo sistema de riquezas que aproximam as diversas explicações para o uso contínuo do capital na comunidade global. Desde que as modalidades de desenvolvimento se estruturaram e o seu acúmulo passou a ser percebido como um elemento de possível esgotamento, o consumo passou a ser acentuado como a retração de uma intencionalidade propositiva ao processo, instituindo a especulação. A hipertrofia do sistema financeiro tende a mergulhar o Estado numa convergência de dificuldades desregulando a ideia central do fator primordial pensado pela esfera política do bem-estar da população.

Neste estado de coisas, tanto Bruno Latour quanto David Harvey vão fazer reflexões pontuais sobre a reorganização das crises do capital ao inferirem que o sistema ideológico deve processar novos adventos para caracterizar os novos ritmos tecnológicos. Ambos refletem sobre os sentidos do termo “moderno” e pensam-no como uma força producente que mensurará a precarização do sistema financeiro no cenário mundial, partindo dos pressupostos da desregulação e maturidade do capital pela sua expansão dentro ou fora dos países do Terceiro Mundo ao discutirem as riquezas e os diversos fluxos de modificação no pensamento real daquilo que poderia ter sido moderno pelos espaços de degradação e suas precarizações.

As respostas a essas reestruturações produtivas passaram a suprimir a dimensão humana convertendo mercado e capital pela evidência da mecanização repentina dos padrões de acumulação como termos determinados pela especulação digital que fomenta outras transformações no binômio taylorismo e fordismo, incorporando acordos e compromissos com a socialdemocracia como efeito de usufruto de discurso para o equilíbrio ou desequilíbrio nas diversas crises mundiais. Os riscos financeiros ampliam essas dimensões quando o equilíbrio relativo das forças políticas instaura movimentos humanos que engendram inconfiabilidades, ou progressivamente, um território de negatividade no universo político da economia especulativa, forçando as infindas diásporas.

Desse ciclo de debates entre Edgar Morin, Bruno Latour e David Harvey eclodem novas operacionalidades, que recolocam a posição do Estado como elemento “arbitral” que sanciona forças e pulsões para a confluência das inúmeras determinações que acentuarão o papel central de outras crises na relação da cultura humana com as práticas de autorregularão estatal pelos interesses ideológicos que imperam como uma nova ordem nos discursos políticos da sociedade, determinando bases morais, que beiram a imoralidade, para aproximar tecnologia com capacidade organizacional, e retomar uma possível recuperação no ciclo reprodutivo do sistema capitalista para um milênio cada vez mais distante da vontade política de inclusão nas fronteiras sociais do fluxo humano entre as nações do globo, negando os aspectos que afirmam a falácia da qualidade total da sobrevida humana como preocupação social incompatível a lógica da produção destrutiva. 

 

REFERÊNCIAS Bibliográficas. 

FARIAS, Gênesis Naum de. Núcleo de Estudos Foucaultiano: Interpretações de Pesquisa Educacional em Convivência com o Semiárido. – São Paulo: Scortecci, 2017.

______. “As Incertezas Humanas no Mundo Globalizado”. In: Núcleo de Estudos Foucaultiano: Interpretações de Pesquisa Educacional em Convivência com o Semiárido. – São Paulo: Scortecci, 2017, p. 31 – 34.

MORIN, Edgar; CIURANA, Emílio-Roger; MOTTA, Raúl Domingo. Educar na Era Planetária. – São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2003.

MORIN, Edgar. Os Sete saberes Necessários à Educação do Futuro. – São Paulo: Cortez, 2009.

______. O Método: A natureza da natureza. (Vol. I). – Porto Alegre, RS: Editora Sulina, 2003.

LATOUR, Bruno. Investigações sobre os Modos de Existência: Uma antropologia dos Modernos. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

______. Jamais Fomos Modernos: Ensaio de antropologia simétrica. – São Paulo: Editora 34, 2019.

HARVEY, David. Modernização. In: Condição Pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. – São Paulo: Edições Loyola, 2008. Parte I, Cap. 5, p. 97 - 107.  



[1] Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima - São Raimundo Nonato, onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano.

[2] O filósofo francês Edgar Morin tem se dedicado desde 1972 a construir uma antropologia do complexo. A complexidade é uma palavra que leva qualquer pensador a um problema geral. Nela está contida a ideia do múltiplo e do uno como dialogias que buscam incessantemente por respostas. Essa pulsão do descomedimento humano aparece nos seis volumemos de O Método. 

[3] Ver Investigação sobre os Modos de Existência: Uma Antropologia dos Modernos. Bruno Latour, 2019, p. 20. 

[4] Ibidem, 2019, p. 22. 

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