quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Joaquim Nabuco: Fragmentos de Uma Existência Pública


Gênesis Naum de Farias/Poeta Bruxulesco e Professor
Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF.




O período que sentencia os ares aristocráticos da Monarquia e os desalinhados progressos da República norteia a história do pensamento desta Nação por ser compreendido como o cenário formativo de um Brasil sem os retoques propositivos que objetivavam definir um projeto claro de cidadão brasileiro como parte de um conjunto de elementos que ressignificavam a identidade de um povo a partir da autonomia. O cenário é transitivo, bem com a ordem discursiva dos acontecimentos. É neste cenário fragmentado, que encontramos o lendário Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo.

Este vulto secular se postergou como um Pensador da Pátria que serviu para ampliar a relação de importância tanto do Império quanto da República, afinal era nas questões fundamentais do País que estava focado suas ideias e ambições.

Ao tempo em que lutava arguidamente para soerguer a soberania social colecionava inimigos em tribunais e palanques; foi do céu para um inferno tramado por outros interesses políticos e intelectuais, onde, às vezes, a vaidade transpunha o lugar comum enumerando o real sentido de uma luta para consolidar um País através das relações diplomáticas que corroboravam para celebrar os princípios democráticos.

Joaquim Nabuco é o exemplo de político que idealizava os nortes dos acontecimentos futuros. A trama dos seus dias já tinha se configurado quando lembrado pelos feitos do Pai, José Tomás Nabuco de Araújo (1813 – 1878), Ministro da Justiça e Conselheiro do Imperador, Dom Pedro II, sendo profundamente significativo quando a tônica era pensar as questões que pontuavam o Senado Federal.

Por esse veio genético se configurou o pensamento do homem que idealizou a libertação dos escravos como bandeira atemporal, de fatos que não cabiam numa reflexão de curto prazo, mas reberverava por séculos, pois a escravidão era parte da estrutura mental do homem daquele tempo. Essa estrutura perversa, que durou quase três séculos e meio foi o objeto maior dos anseios deste nobre pernambucano.

A importância de Nabuco para estes dias de incertezas e de crises significativas para a representação social é parte da crise de referenciais no território da política e serve para que se pense na importância da autoridade política como parte do pragmatismo público que gerencia os interesses do povo brasileiro. Por isso é importante pensar nos feitos de Joaquim Nabuco como o elo para se alcançar o etos de Nação Civilizada.

Os embates que vivenciou na vida pública definiram sua marca no conceito de nacionalidade, tendo em vista que sua atuação na causa da escravidão foi decisiva para formar o pensador, transgressor, das novas narrativas que se consolidavam no seio da sociedade do seu tempo. De formação acadêmica e de círculos literários muito producentes, sua vida pessoal foi bastante movimentada. Integrado na transição do Império à República, formou-se no Direito, desafiou estruturas, amou, sonhou, foi homem de letras. Seu abolicionismo era radical e orgânico.

Com o advento da República, vê-se diante do desafio de articular modernização política e tradição aristocrática. É essa visão de mundo, que transita entre passado e futuro, recheada de decepções, que lapidou o perfil de Nabuco. As tramas da sua existência se elevam simultaneamente entre os contextos de uma época em que se vivia paz interna e prosperidade econômica em um sistema político funcional. Era o ambiente do Período do Segundo Reinado. Período de intenso desgaste nas relações que definiam o primado do capital humano, quando no Brasil se consolidou a noção de unidade nacional.

A prática intelectual trouxe a Nabuco o equilíbrio necessário entre a moral aristocrática (tradição) e as aspirações de motivação social (reformas). Nabuco era público e notório quando a articulação política não alcançava a denominação da promoção do escravo como cidadão, por isso foi golpeado diversas vezes por autoridades políticas e hierarquias sociais.

O porte estético de Nabuco também incomodava; desde cedo recebeu a alcunha de “Quincas o Belo” ─; reacendendo seus dias de criança no Engenho Massangana, no enleio de uma infância primorosa, aos dias de poeta, boêmio, cortesão, apegado à boa vida, nas ruas de Londres ou Paris. O fato é que um homem belo produz muitos inimigos, e quando se atem ao usufruto de unir beleza, literatura e elegância, as boas maneiras transcendem a utilidade prática, porém era indispensável na composição do seu universo de dândi. Era tudo o que faltava nos seus adversários políticos, pois o perfil intelectual dos Republicanos seguia outras orientações ideológicas e estéticas.

O que pensava Nabuco para o Estado Nação? Suas orientações aristocráticas defendiam uma Monarquia Federativa, pretendo manter as tradições numa perspectiva laica que contribuísse para sanar as dividas sociais que o lastro da escravidão deixou; outra ambição era a indenização dos escravos, dando-os muitas terras para trabalhar. O Poder Moderador seria mantido como um pressuposto constitucional independente, dando ao povo o poder de deliberar os rumos democráticos para os novos tempos. Portanto, o projeto idealizado, de emancipação, arrojado e moderno, ficou pela metade e a desigualdade social se reflete nos limiares da contemporaneidade. 

Em meio a tantas turbulências no contexto do liberalismo econômico, o que faz de um ser humano um mito? Alguém poderia dizer que é a sua força de expressão, as obras produzidas, o olhar multicultural ou até a capacidade de reunir forças para se projetar politicamente em meio a tantos enredos macabros no jogo político que governa o povo, deliberando as relações diretas com a opressão ou até com a manutenção de uma prática discursiva que lega a miséria de muitos. Joaquim Nabuco esteve sempre a frente do seu tempo porque reunia todas as grandes virtudes de um aristocrata bem formado, possuindo uma elegância sintomática nas ações de um perfeito cavalheiro, que na posteridade se mantém vivo nos sonhos de liberdade em tempos de censura livre.

E para referendar ainda mais sua obra contra a escravidão – seu legado maior –; o próprio Nabuco proclama: “[...] a escravidão para mim cabe toda em um quadro inesquecido da infância, em uma primeira impressão, que decidiu, estou certo, do emprego ulterior de minha vida”.