domingo, 15 de setembro de 2013

Nùcleo de Estudos Foucaultiano


O Doente Imaginário 

 
Núcleo de Estudos Foucaultiano © Gênesis Naum de Farias
Poeta Bruxulesco® - Professor da Universidade Estadual do Piauí.
São Raimundo Nonato/PI/Brasil.

  
Eu desisto! Assumo no instante presente que sou o que nunca consegui ser. Fui mesmo a vida inteira um sonhador de palavras velhas que cansadas, pretendem parar de soletrar murmúrios tardios e, mesmo em face dos amores que vivi, sinto estar velho para amar outra vez. O amor é mesmo um luxo caro, já dizia um Poeta Português. Mas o amor é encantador e por isso se ama por assim dizer e ter o que falar. É doce sentir nas palavras que o ato de amar é incontestavelmente singular. Só ama quem produz sentido, fazendo as palavras decantarem prantos, dramas, solfejarem notas sempre insurretas e prematuramente, sofrer na intensidade do desencanto. Amar é isso, é fingir que dói, quando se corroer por dentro, é o mesmo que fingir que não dói não atingir as primícias do ato de amar. 

Amar nem sempre é bom, mas nos torna grandes, quando ainda somos bem pequenos para parolar sobre coisas divinas que nem sempre podemos alcançar. Quando se ama se ama. Quando se perde um grande amor, se perde de vez e se perde os rumos do norte nas canções do mar, quando em noites de lua, o seu marolar é mais intenso que as ondas do ar. O amor é fogo. Encerra-nos por dentro e nos faz destoar em pensamentos tardios, deixando-nos sem sono, sem fome, sem desejos pretensamente materiais, sem a pressa cotidiana, sem a temperança do amanhecer e, nostalgicamente, nos encanta. O encantamento das palavras quando afirmadas com sinceridade nos faz crer que somos maiores do que tudo. Ele nos transporta no imaginário de alguém, fazendo lembranças se tornar saudades redentoras e, são tão complexas as causas que levam um indivíduo a amar, que ele nem mesmo sabe por que ama sem o contentamento do instante. 

Quando se ama alguém no instante antigo do desapego, tudo se faz conspiração, mas os rumores tardios, sem retoques, ampliam o acaso dos registros mais sinceros. É como ver o tempo nos adormecer com a ternura de uma criança e nem sentir as horas que passam sem a misericórdia do controle. O relógio do tempo é mesmo o infame que nos atordoa quando queremos sofrer ao dizer ao outro quem o ama. É um segredo revelado, porém maculado e impoluto que atinge a grandeza redentora da verdade. Já não se têm amantes como outrora, que mesmo em face de qualquer descontentamento, falam do amor como asas de mistério. 

Na verdade, a realidade é tão severa com quem ama, que dizer o que sente, já se tornou tão banal e impróprio, que ser verdadeiro com as palavras torna-se doloroso e penoso, pois verdades que nascem mortas, não servem para serem ditas. O amor nestes casos torna-se revelador a ponto de nos perguntarmos por que escrevemos ou porque sofremos pela verdade não dita. O triste disso é que a humanidade se tornou enferma de si própria sem entender a ética do cuidado de si. Mas o dia nasce para quem ama e os primeiros dias da primavera já nascem velhos e sorumbáticos, como se nem fosse a estação dos primeiros encontros, dos primeiros projetos, dos primeiros sonhos, dos primeiros olhares, das primeiras enamoradas e, porque não dos primeiros arroubos. 

Quando a humanidade reaprender a amar, os dias se tornaram mais longos, as horas mais descompassadas e os passos mais lentos. O difícil é fazer esta mesma humanidade se reencontrar na amável doçura de uma certeza jeitosa, já que sem muitos sonhos e sem muitas aspirações, caminhamos para o mesmo desfecho, sonolentos como almas tristes que não encontram paz nas coisas mais simples. Mas quem sabe minhas infindas desistências não são prematuras porque também nunca soube amar da forma que o concebo nos meus devaneios poéticos. Tem horas que pensamos em desistir de tudo, inclusive dos raios do sol que iluminam o dia. É quando deveremos pensar que certas incertezas servem para nos fortalecer diante das adversidades, isto porque nem sempre somos tão capazes de falarmos de nossas próprias fragilidades; mesmo aquelas mais recalcadas. O recalque que nos orienta é intolerável e deve ser pensado assim.  

A vida tem se tornado intolerável porque nunca conseguimos interpretar o que deveras ser conjugado com sinceridade, mas quando escrito, torna-se documento. Talvez se o ato de amar alguém fosse interpretado com mais pureza, as incertezas históricas do ser humano pudessem se tornar mais explicativas. Nos velhos casarões da memória, tudo afirma uma sensação triste, porque tudo passa, inclusive a certeza de quem somos ou de quem amamos. Um dia escrevemos o nome de alguém em nosso coração e outro dia simplesmente o tiramos daquele lugar sagrado, cheio de verdades. O que não passa é a certeza de que as mais profundas horas atordoam qualquer vivente no eito dos passos lentos, nos decênios de uma cidade morta. Quando descrevemos o amor em tempos de cólera é para documentar que ele nos imprime verdades nem sempre sinceras, afinal, somos o que somos porque sempre fazemos escolhas impróprias que de forma nem sempre elegante, ressoa em ruas despedaçadas. Mas amar é sempre bonito. Tanto para quem ama, quanto para quem é amado e, por isso suas asas de mistério são enormes e quase nunca é percebida por quem não sabe o que é o amor. Dorival Caymmi já cantava, “Você não sabe amar meu bem, não sabe o que é o amor, nunca sofreu e quer saber mais que eu...”. 

Eu sempre acumulo muitas perdas porque minhas paridades são sempre intensas. Costumo sempre dizer que nos meus romances de angústia, as fatalidades são sinceras e desencontradas no isolado som da tristeza, sob a sombra distinta da partida. Vivo de dilemas infernais a espera do conforto da palavra, na toada das dores de um passado que o esteio esvoaçava no recinto dos sonhos, e sob a visão de castelos demolidos, me reconheço sem a altivez dos profetas que a esmo se perdeu nos termos da euforia. E que o decrepitar da timidez me consome, em clamores, vive imerso minhas fantasias e de nostalgias, vivo preso à agonia... 

Mas se assim sou, como posso ao tempo de uma existência, me definir para despersonificar a essência dos contrastes que envolvem as incertezas do meu nítido silêncio de Poeta? Primeiro, seria preciso dizer que sou um homem do mundo, habitado por muitos lugares e composto por uma simbologia contida de desencontros. Eis o que o tempo sempre me diz: sou no espírito deste tempo, uma Esfinge de Mármore. Eu poderia reivindicar para os meus eus a máxima de Terêncio (185 – 159 aC) adotada integralmente pelo pensador Karl Marx: “Sou humano: nada do que é humano reputo alheio a mim”. 

Agora, desistindo de tudo, inclusive e mim mesmo, me ponho a pensar como um doente imaginário que busca para si a extraordinária certeza da razão de que desistir de amar é como desistir de viver, e faço das palavras de Augusto Renoir as minhas, quando descreveu o mais belo amigo, Amadeu Modigliani, a dançar na chuva feito uma criança insone que de louco tinha apenas um pouco de lucidez: “(...) Eu o vi dançar uma vez, perto da estátua de Balzac. Seu rosto estava bonito, seus passos graciosos... Pavoneado-se com a música, ele sorria... Ele foi tudo o que eu já fora. Roubei aquele momento e guardei-o na memória... Para estar lá e me confortar nos meus dias finais”.
 

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