1] Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 9 – Nº 0005 Março/ 2021 – São Raimundo Nonato.
Paper.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. – São Paulo: Paz & Terra, 2020.
A Pedagogia da Esperança
como paradigma para o oprimido.
Gênesis Naum de Farias.
Certa vez, Paulo Freire foi indagado por um amigo
com uma pergunta voraz: “[...] mas como, Paulo, uma pedagogia da esperança no
bojo de uma total sem-vergonhice como a que asfixia hoje o Brasil?”. Paulo
Freire responde a indagação de seu amigo, professor universitário, afirmando:
“Não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem
esperança e sonho. A desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no
fatalismo. Não sou esperançoso por teimosia, mas por um imperativo existencial
e histórico.”.
Paulo Freire
ficou conhecido no meio acadêmico como o “Educador do Mundo” por transpor sua
carga emocional para a análise profícua das relações humanas na condução
dialógica da educação como forma de projeção de outra mentalidade para o mundo
globalizado, no que tange as tramas e os fatos que conduzem as relações de
poder na luta de classes pela afirmação de sua representação em marcha. Ele foi
o exemplo vivo da esperança, incorporado pelo pensamento coletivo, pois
elaborou uma obra e a projetou no seio de uma comunidade imobilizada pelos
vetores dos fenômenos do multiculturalismo, lançando as bases de uma educação
plural que viesse atender os direitos coletivos e que estivesse a serviço da
cidadania.
Em Pedagogia do Oprimido, sua obra máxima,
Paulo Freire reflete o seu comprometimento com a vida, porque nela encontramos
os seus pressupostos político-filosófico-humanístico e a exaltação de um grito
de libertação digno de um arauto conscientizador capaz de resistir a todo e qualquer
fato histórico. A análise desta obra conclama todos os educadores a refletir
sobre a comprometida vida de Paulo Freire frente aos descaminhos históricos
enfrentados pelo ser humano, e ao observá-la sob uma ótica diferente, é
possível encontrar os elos que fortalecem a relação do educador com o seu
educando e com a cultura escolar, porque a mesma impõe sua relevância ao dar
sentido aos experimentos do senso comum para adorná-los como algo que deve ser
reinventado de forma respeitosa, cautelosa e muito criteriosa, ao passo que é
composta por pessoas em seus lugares de memória.
O esforço
humanizado que a torna uma ferramenta da prática pela liberdade consciente,
consiste na ideia de fazer o educador se transformar num intelectual reflexivo,
e a elocução preterida por Paulo Freire como homem sonhador e esperançoso o fez
tecer os nortes para uma educação que precisava ser conjugada pelo aparato
político ao se transformar numa educação contextualizada. Paulo Freire era um
ser transcendente e sua escrita não só repensa o próprio homem, como também o
faz pensar no homem que o é: “não sou se não deixas eu ser, não sou sobretudo, se não me deixo ser.”.
A pedagogia
idealizada para o oprimido é um modelo de educação em movimento que busca a
interiorização do ser social como interventor e problematizador no seu meio
social. Numa sociedade cada vez mais dominada pela marca da exclusão e do
controle moral do homem pelo homem, os métodos dessas formas de opressões
jamais podem levar o homem consciente a se libertar de sua sina de dominado,
mas ao ter uma educação que o norteie à prática da reflexibilidade, este pode
vir a ser livre e pensador de suas causas ou infortúnios, podendo libertar
outros seres humanos. Há nisto, o resgate de uma eterna dívida social com sua gente.
Afinal os caminhos que o podem levar à libertação também o podem transformar em
um sujeito opressor.
Com base no
seu pensamento e nos pressupostos que defendia se pode entender o fracasso
escolar como algo estabelecido bilateralmente para promover as bases de uma
educação sem compatibilidade pedagógica. O cenário de suas elucubrações
filosóficas aponta para uma nova tendência estética na cultura escolar, que
congrega não só o aporte da hibridização de formas, gêneros e temas, mas também
a consciência de um novo paradigma sugerido com a instabilidade dos
acontecimentos, tendo que tratar com mais resistência o novo mapa da realidade
social e política, comumente elaborado pela contemporaneidade, porque a partir
dos desmanches de fronteiras do conhecimento e do esvaziamento das marcas
culturais, tendo como resultante o predomínio do discurso descontextualizado em
detrimento do letramento como elemento de expressão, ocorreram fortes perdas
nas referências humanísticas produzindo assim sérios danos identitários.
A educação
sem uma ação direta com a identidade e a sobrevivência dos indivíduos é
incompatível com uma pedagogia que de maneira mistificadora camufla a
existência do homem em suas práticas; neste caso, dificilmente se encontrará
caminhos de liberdade que não seja os da dominação. Se a prática da liberdade
não estiver aliada a uma educação que leve o homem à reflexão, à descoberta e à
conquista, não tem sentido chamá-la de vetor de libertação, posto que teremos o
retorno da velha idealização de um paradigma bancário reprodutibilista que sempre operou nas bases do aparelhamento das
desigualdades.
Na verdade,
esta insígnia é fruto de algo estagnado inconscientemente na cabeça de todos
aqueles que se deixam representar por fascistas cheios de discursos salvíficos e com bom vocabulário. Assim
aprendemos, assim reproduzimos, e assim pensava Paulo Freire ao se reportar ao
saber cultural das pessoas e das sociedades na sua apaixonante vida de
Educador: “A pedagogia do Oprimido é,
pois, libertadora de ambos, do oprimido e do opressor.”. O Educador deve
traduzir estas palavras para seu campo de atuação de forma a tornar público
suas angústias e formar o cidadão para o mundo. Mundo este, cada vez mais
desumano, injusto e vulnerável.
O lúdico
saber sócio pedagógico tem que ser compartilhado com o coletivo, alongando-se e
dando nitidez cada vez maior ao confronto real, enlevado por uma profunda
intuição como vocação humanística para inverter no processo histórico aquilo
que deforma a consciência humana, ou aproveitando uma sugestão de José Ortega y
Gasset: o processo em que a vida se
insere deve se impor como uma biografia em movimento. Talvez este seja o
maior sonho do analfabeto funcional: aprender a escrever sua própria história,
e como autor, se tornar testemunha e coprodutor de sua própria existência no
mundo.
Diante de
tudo que fora elucidado, só é percebido uma saída como dinâmica a se
desenvolver (já antes desenvolvido como legado): colocar a própria pedagogia
como estudo de libertação do oprimido, deste que se faz antropologicamente, a
caminho e em marcha.
Para
entender as grandes marcas deixadas pelo olhar de Paulo Freire no processo de
conscientização, é necessário fazer a ação transformadora pretender enxergar os
muitos esfarrapados, lançados à própria sorte, alcançarem uma centelha de luz
capaz de ser possível ver estes conseguir desenhar suas próprias trajetórias.
Para o Educador do Mundo, alfabetizar
é antes conscientizar, por isso que o domínio se dá pelas palavras e pelos
discursos, como também o inverso disto se dá pela leitura e pela formação de
palavras.
O método
contido em sua obra é referência ao que de conhecimento o educando já possui,
porque parte do princípio de que uma realidade particular é capaz de
transcender a uma particularidade coletiva, podendo alcançar o seu anseio por
melhoria de vida e letramento vocabular num universo imagético que gira ao seu
redor e tenta a todo instante lhe tragar como presa. A isto, enfatiza-se a
importância do letramento crítico.
As palavras
geradoras utilizadas pelo método Paulo Freire, combinam elementos básicos da
vida do educando, e o faz ver que mesmo excluído, ele possui elementos
semânticos que são constituídos no dia a dia através de uma sociedade letrada,
e, a partir desta reflexão, seu universo se (re) configura com situações
existentes num plano mental, fazendo-o crer em possíveis mudanças, medidas pela
objetivação plástica da realidade.
Portanto, a
pesquisa prévia deste compêndio, faz brotar esperanças e novas compreensões de
que a Educação de Jovens e Adultos trabalhada numa perspectiva catalisadora e
rejuvenescedora da educação e da sociedade, ainda pode fazer a diferença quando
o assunto é inclusão social e distribuição de renda. Contudo Paulo Freire nos
remete a ideia de sermos missionários da comunhão humana num mundo em que se
instaura a cada hora, o processo de desumanização, cabe pensar ser possível
humanizar-se com saber, prudência e ética.
Ao verificar
na América Latina o pleno avanço das forças neoliberais que atendem pelos
interesses do mercado e fazem das relações com a política uma forma de entrega
do social às demandas do capital especulativo, é possível verificar a
relevância do pensamento freiriano no
aspecto contemporâneo do conflito pelo direito à cidadania, quando a
insegurança jurídica implica outras formas de controle.
Nisto, é
factual a percepção de que a realidade não apresenta sinais de mudança com os
fatores históricos desencontrados, desconstituídos e desconectados, ou melhor,
suas modificações ao longo da própria história passam por pequenas
modificações, às vezes visíveis, mas quase sempre pautada pela invisibilidade
ao se forjar no combate dos movimentos sociais outros anseios.
Nesta levada
ideológica empreendida pelo fluxo de capitais dos grandes blocos econômicos,
sobretudo após as mudanças ocorridas no Leste Europeu, veem-se a sustentação de
um discurso autoritário e insurgente como anúncios de que se vive uma era de
extremos, por isso decreta-se em termos de retórica o fim das utopias; esse pensamento é apregoado pelos neoliberais que
propagam os seus desencantos com os modelos populares e socialistas. Esse
pensamento não deixa de ser iníquo, na medida em que menospreza a luta de
milhares de homens e mulheres que, animados pela esperança, numa humanidade
emancipada, durante séculos empenharam suas vidas e sonharam com uma ordem
social fundada na justiça social.
Extrai-se do
exposto, que a solução para os grandes problemas enfrentados nesta modernidade
tardia, cheia de paridades, marcada pelo desencontro entre a esperança do
oprimido e os conflitos sociais, será postulada por outras formas de se
perceber a mesma esperança como uma ferramenta de combate, buscando se
contrapor ao desencanto apregoado pelo neoliberalismo, que insiste em
desvirtuar a democracia, e propor um péssimo alento para os sonhos, pois do
contrário, o mundo perderá a capacidade de esperançar por meio dos processos do
saber cultural dentro de uma política que não se atenta para a construção de
soluções mais efetivas para animar o espírito das causas sociais.
Quando se é
proposto uma temática como esta, é porque se faz visível à criação de um novo
modelo que se contraponha ao que é estabelecido pelo sistema global; um
paradigma que promova rupturas no chamado “sono da razão”, para se pensar uma
cultura educacional mais atenta àqueles que se sentem excluídos, e que no
esquecimento, sonham com a liberdade não só dos próprios pensamentos, mas do
próprio conhecimento, tendo em vista que os referenciais de singularidade estão
se estilhaçando, frente ao descaso público para com a produção cultural em
contrapartida ao que se é decido no âmbito das escolhas globais.
A cultura da
indiferença neste país é gritante e tem sido assimilada pelo descaso, pois a
trajetória deste manancial simbólico, produzido pelo brasileiro tem sido
deixada de lado pelas políticas públicas, e, é preciso alertar para o caráter
da produção de ideias que os movimentos sociais produzem. É preciso transformar
a cultura local em algo que priorize a produção de um saber que venha
reconstruir a identidade do povo e que leve esperança e traga de volta os
sonhos e as liberdades cívicas.
Portanto, é
preciso dialogar com os segmentos plurais da sociedade e integrá-los a uma
política voltada para o desenvolvimento de demandas que atendam as infindas
necessidades do cidadão comum. Enfim, é preciso visualizar na condução das
mudanças o imperativo existencial do tempo histórico no seu tempo, no nosso
tempo e no tempo do outro como um ato político de expectação...
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