quarta-feira, 17 de março de 2021

 1] Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano. Ano 9 – Nº 0005 Março/ 2021 – São Raimundo Nonato.


 Paper. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. – São Paulo: Paz & Terra, 2020.  

 

A Pedagogia da Esperança 

como paradigma para o oprimido.


Gênesis Naum de Farias.


Professor Auxiliar II do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Campus Ariston Dias Lima - São Raimundo Nonato, 
onde coordena o Núcleo de Estudos Foucaultiano.

 



Certa vez, Paulo Freire foi indagado por um amigo com uma pergunta voraz: “[...] mas como, Paulo, uma pedagogia da esperança no bojo de uma total sem-vergonhice como a que asfixia hoje o Brasil?”. Paulo Freire responde a indagação de seu amigo, professor universitário, afirmando: “Não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sonho. A desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo. Não sou esperançoso por teimosia, mas por um imperativo existencial e histórico.”.

Paulo Freire ficou conhecido no meio acadêmico como o “Educador do Mundo” por transpor sua carga emocional para a análise profícua das relações humanas na condução dialógica da educação como forma de projeção de outra mentalidade para o mundo globalizado, no que tange as tramas e os fatos que conduzem as relações de poder na luta de classes pela afirmação de sua representação em marcha. Ele foi o exemplo vivo da esperança, incorporado pelo pensamento coletivo, pois elaborou uma obra e a projetou no seio de uma comunidade imobilizada pelos vetores dos fenômenos do multiculturalismo, lançando as bases de uma educação plural que viesse atender os direitos coletivos e que estivesse a serviço da cidadania.

Em Pedagogia do Oprimido, sua obra máxima, Paulo Freire reflete o seu comprometimento com a vida, porque nela encontramos os seus pressupostos político-filosófico-humanístico e a exaltação de um grito de libertação digno de um arauto conscientizador capaz de resistir a todo e qualquer fato histórico. A análise desta obra conclama todos os educadores a refletir sobre a comprometida vida de Paulo Freire frente aos descaminhos históricos enfrentados pelo ser humano, e ao observá-la sob uma ótica diferente, é possível encontrar os elos que fortalecem a relação do educador com o seu educando e com a cultura escolar, porque a mesma impõe sua relevância ao dar sentido aos experimentos do senso comum para adorná-los como algo que deve ser reinventado de forma respeitosa, cautelosa e muito criteriosa, ao passo que é composta por pessoas em seus lugares de memória.

O esforço humanizado que a torna uma ferramenta da prática pela liberdade consciente, consiste na ideia de fazer o educador se transformar num intelectual reflexivo, e a elocução preterida por Paulo Freire como homem sonhador e esperançoso o fez tecer os nortes para uma educação que precisava ser conjugada pelo aparato político ao se transformar numa educação contextualizada. Paulo Freire era um ser transcendente e sua escrita não só repensa o próprio homem, como também o faz pensar no homem que o é: “não sou se não deixas eu ser, não sou sobretudo, se não me deixo ser.”.

A pedagogia idealizada para o oprimido é um modelo de educação em movimento que busca a interiorização do ser social como interventor e problematizador no seu meio social. Numa sociedade cada vez mais dominada pela marca da exclusão e do controle moral do homem pelo homem, os métodos dessas formas de opressões jamais podem levar o homem consciente a se libertar de sua sina de dominado, mas ao ter uma educação que o norteie à prática da reflexibilidade, este pode vir a ser livre e pensador de suas causas ou infortúnios, podendo libertar outros seres humanos. Há nisto, o resgate de uma eterna dívida social com sua gente. Afinal os caminhos que o podem levar à libertação também o podem transformar em um sujeito opressor.

Com base no seu pensamento e nos pressupostos que defendia se pode entender o fracasso escolar como algo estabelecido bilateralmente para promover as bases de uma educação sem compatibilidade pedagógica. O cenário de suas elucubrações filosóficas aponta para uma nova tendência estética na cultura escolar, que congrega não só o aporte da hibridização de formas, gêneros e temas, mas também a consciência de um novo paradigma sugerido com a instabilidade dos acontecimentos, tendo que tratar com mais resistência o novo mapa da realidade social e política, comumente elaborado pela contemporaneidade, porque a partir dos desmanches de fronteiras do conhecimento e do esvaziamento das marcas culturais, tendo como resultante o predomínio do discurso descontextualizado em detrimento do letramento como elemento de expressão, ocorreram fortes perdas nas referências humanísticas produzindo assim sérios danos identitários.

A educação sem uma ação direta com a identidade e a sobrevivência dos indivíduos é incompatível com uma pedagogia que de maneira mistificadora camufla a existência do homem em suas práticas; neste caso, dificilmente se encontrará caminhos de liberdade que não seja os da dominação. Se a prática da liberdade não estiver aliada a uma educação que leve o homem à reflexão, à descoberta e à conquista, não tem sentido chamá-la de vetor de libertação, posto que teremos o retorno da velha idealização de um paradigma bancário reprodutibilista que sempre operou nas bases do aparelhamento das desigualdades.

Na verdade, esta insígnia é fruto de algo estagnado inconscientemente na cabeça de todos aqueles que se deixam representar por fascistas cheios de discursos salvíficos e com bom vocabulário. Assim aprendemos, assim reproduzimos, e assim pensava Paulo Freire ao se reportar ao saber cultural das pessoas e das sociedades na sua apaixonante vida de Educador: “A pedagogia do Oprimido é, pois, libertadora de ambos, do oprimido e do opressor.”. O Educador deve traduzir estas palavras para seu campo de atuação de forma a tornar público suas angústias e formar o cidadão para o mundo. Mundo este, cada vez mais desumano, injusto e vulnerável.

O lúdico saber sócio pedagógico tem que ser compartilhado com o coletivo, alongando-se e dando nitidez cada vez maior ao confronto real, enlevado por uma profunda intuição como vocação humanística para inverter no processo histórico aquilo que deforma a consciência humana, ou aproveitando uma sugestão de José Ortega y Gasset: o processo em que a vida se insere deve se impor como uma biografia em movimento. Talvez este seja o maior sonho do analfabeto funcional: aprender a escrever sua própria história, e como autor, se tornar testemunha e coprodutor de sua própria existência no mundo.

Diante de tudo que fora elucidado, só é percebido uma saída como dinâmica a se desenvolver (já antes desenvolvido como legado): colocar a própria pedagogia como estudo de libertação do oprimido, deste que se faz antropologicamente, a caminho e em marcha.

Para entender as grandes marcas deixadas pelo olhar de Paulo Freire no processo de conscientização, é necessário fazer a ação transformadora pretender enxergar os muitos esfarrapados, lançados à própria sorte, alcançarem uma centelha de luz capaz de ser possível ver estes conseguir desenhar suas próprias trajetórias. Para o Educador do Mundo, alfabetizar é antes conscientizar, por isso que o domínio se dá pelas palavras e pelos discursos, como também o inverso disto se dá pela leitura e pela formação de palavras.

O método contido em sua obra é referência ao que de conhecimento o educando já possui, porque parte do princípio de que uma realidade particular é capaz de transcender a uma particularidade coletiva, podendo alcançar o seu anseio por melhoria de vida e letramento vocabular num universo imagético que gira ao seu redor e tenta a todo instante lhe tragar como presa. A isto, enfatiza-se a importância do letramento crítico.

As palavras geradoras utilizadas pelo método Paulo Freire, combinam elementos básicos da vida do educando, e o faz ver que mesmo excluído, ele possui elementos semânticos que são constituídos no dia a dia através de uma sociedade letrada, e, a partir desta reflexão, seu universo se (re) configura com situações existentes num plano mental, fazendo-o crer em possíveis mudanças, medidas pela objetivação plástica da realidade.

Portanto, a pesquisa prévia deste compêndio, faz brotar esperanças e novas compreensões de que a Educação de Jovens e Adultos trabalhada numa perspectiva catalisadora e rejuvenescedora da educação e da sociedade, ainda pode fazer a diferença quando o assunto é inclusão social e distribuição de renda. Contudo Paulo Freire nos remete a ideia de sermos missionários da comunhão humana num mundo em que se instaura a cada hora, o processo de desumanização, cabe pensar ser possível humanizar-se com saber, prudência e ética.

Ao verificar na América Latina o pleno avanço das forças neoliberais que atendem pelos interesses do mercado e fazem das relações com a política uma forma de entrega do social às demandas do capital especulativo, é possível verificar a relevância do pensamento freiriano no aspecto contemporâneo do conflito pelo direito à cidadania, quando a insegurança jurídica implica outras formas de controle.

Nisto, é factual a percepção de que a realidade não apresenta sinais de mudança com os fatores históricos desencontrados, desconstituídos e desconectados, ou melhor, suas modificações ao longo da própria história passam por pequenas modificações, às vezes visíveis, mas quase sempre pautada pela invisibilidade ao se forjar no combate dos movimentos sociais outros anseios.

Nesta levada ideológica empreendida pelo fluxo de capitais dos grandes blocos econômicos, sobretudo após as mudanças ocorridas no Leste Europeu, veem-se a sustentação de um discurso autoritário e insurgente como anúncios de que se vive uma era de extremos, por isso decreta-se em termos de retórica o fim das utopias; esse pensamento é apregoado pelos neoliberais que propagam os seus desencantos com os modelos populares e socialistas. Esse pensamento não deixa de ser iníquo, na medida em que menospreza a luta de milhares de homens e mulheres que, animados pela esperança, numa humanidade emancipada, durante séculos empenharam suas vidas e sonharam com uma ordem social fundada na justiça social.

Extrai-se do exposto, que a solução para os grandes problemas enfrentados nesta modernidade tardia, cheia de paridades, marcada pelo desencontro entre a esperança do oprimido e os conflitos sociais, será postulada por outras formas de se perceber a mesma esperança como uma ferramenta de combate, buscando se contrapor ao desencanto apregoado pelo neoliberalismo, que insiste em desvirtuar a democracia, e propor um péssimo alento para os sonhos, pois do contrário, o mundo perderá a capacidade de esperançar por meio dos processos do saber cultural dentro de uma política que não se atenta para a construção de soluções mais efetivas para animar o espírito das causas sociais.

Quando se é proposto uma temática como esta, é porque se faz visível à criação de um novo modelo que se contraponha ao que é estabelecido pelo sistema global; um paradigma que promova rupturas no chamado “sono da razão”, para se pensar uma cultura educacional mais atenta àqueles que se sentem excluídos, e que no esquecimento, sonham com a liberdade não só dos próprios pensamentos, mas do próprio conhecimento, tendo em vista que os referenciais de singularidade estão se estilhaçando, frente ao descaso público para com a produção cultural em contrapartida ao que se é decido no âmbito das escolhas globais.

A cultura da indiferença neste país é gritante e tem sido assimilada pelo descaso, pois a trajetória deste manancial simbólico, produzido pelo brasileiro tem sido deixada de lado pelas políticas públicas, e, é preciso alertar para o caráter da produção de ideias que os movimentos sociais produzem. É preciso transformar a cultura local em algo que priorize a produção de um saber que venha reconstruir a identidade do povo e que leve esperança e traga de volta os sonhos e as liberdades cívicas.

Portanto, é preciso dialogar com os segmentos plurais da sociedade e integrá-los a uma política voltada para o desenvolvimento de demandas que atendam as infindas necessidades do cidadão comum. Enfim, é preciso visualizar na condução das mudanças o imperativo existencial do tempo histórico no seu tempo, no nosso tempo e no tempo do outro como um ato político de expectação...

 

 Referências Bibliográficas.

 

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