O Amargo Avanço do Vírus da Vaidade.[1]
[1] Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano Ano 7 –
Nº 0003 Outubro/ 2019 – São Raimundo Nonato.
© Agencia Rafão Design, 2019.
Gênesis Naum de Farias – Pesquisador da
Universidade
Estadual do Piauí – UESPI/ Coordenador do Núcleo de Estudos
Foucaultiano.
Estamos todos condenados pelo vírus da vaidade. Essa afirmativa nos
impõe algumas consequências, de causa e efeito, que naturalmente, e por longo
tempo, nos conduzirá pelo limiar do total esquecimento. É como se tivéssemos
bebido ou tocado nas águas do rio Lethes...[3]Temos
nos tornado isolados e soberbos porque, simplesmente, deixamos de confiar no
ser humano; é como se o outro tivesse que ser plateia o tempo todo; sempre
coadjuvante nunca protagonista. Se não confiamos nos sujeitos humanos, por que
deveremos esperar dele confiança mútua?
O teatro é o melhor espaço para verificarmos in loco todas as constatações dos efeitos nocivos dessa doença
silenciosa que corrói o ser humano; isto porque assim como descreveu
Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) sobre o seu Método Trágico Coercitivo, os
sujeitos, tidos como humanos estão cada dia mais isolados, egocêntricos,
pervertidos, cegos e indiferentes aos problemas do outro. A ideia proposta pelo
filósofo grego é também uma proposição de escolarização ao domínio; queremos
dominar sempre, e, para tanto, é preciso dividir sem repartir; dividir pessoas
sem compartilhar proposições; dividir plateias por entre especulações; dividir
para alcançar o domínio total. Ou seja, uns ocuparão o lugar de fala do
espectador, enquanto outros serão os protagonistas da cena. Mas esse contexto
requer divisão de tarefas, e, quase sempre requer dividir anseios, propostas e
projetos. Como a humanidade não quer dividir com todos o tudo, nem o nada
acabamos visualizando a cena mais trágica que caracterizará os atos seguintes
rumo ao isolamento total da espécie.
Nesse amargo avanço do vírus da vaidade, os indivíduos acabam
requerendo para si a percepção fatal da desconfiança, que não transforma nada; que
gera mais isolamento e incompreensão, tornando-nos seres desconfiados,
maliciosos, sem maturidade, e, produtos de uma retórica vazia.
A provocação nos remete a uma questão de pesquisa, que se impõe como
afirmativa: Se estamos isolados e não participamos das decisões, toda e
qualquer percepção da realidade passa a ser fruto de uma retórica sem nenhuma
função, isto porque passamos a compreender o cotidiano como produto de uma ação
regulada pela ansiedade, e, o resultado é o total descumprimento de nossas
funções sociais, porque não há sentido respeitar, quando não somos respeitados;
não há sentido conjugar quando somos apenas julgados; não há sentido de
participação quando não somos impelidos a participar das decisões.
Por isso o vírus da vaidade se impõe para nos tornarmos cegos nas
nossas próprias concepções, e, com o tempo, ele vai corroendo nossas vísceras,
nossos desejos, nossas ações, nossos sonhos e nos tornamos uma mercadoria sem o
nítido valor esperado, pois tudo em nosso redor é tanta coisa e é coisa
nenhuma, mesmo quando não faltam motivos para se crer que vivemos em tempos
sombrios.
Contrariando a ordem dos acontecimentos, é sempre importante relembrar
o que deixou implícito em sua obra o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), sobre os efeitos provocados pela esterilização da racionalidade,
ou até mesmo, de verdades impolutas, que levam os homens a se distanciarem da
natureza e se corromperem, degenerando a essência de si no plano das virtudes
cívicas, ao ser inserido nas sangrias dos vícios da realidade, limitando-se a
caminhar para os reinos inferiores da cultura.
Muito antes dessa onda de ansiedades invadirem o universo social,
certamente se soubéssemos no que daria o atropelo neocolonialista de se pretender
civilizar o mundo teríamos compreendido o que terminou por gerar isso que se vê
na contemporaneidade com a radicalização dos tempos líquidos, feito por sujeitos
panfletários, e desajustados. A idade da razão nos dirá: nunca houve e nem
haverá comunhão entre os desiguais, porque o que está faltando é diálogo. Sem
diálogo, não há possibilidade de haver comunhão!
Essa máxima não é de Sartre, mas poderia sê-lo, pois se constata que o estado de direito corre perigo porque a
sociedade anda desarticulada nesse quadro social de instabilidades, onde quem
detém o poder simbólico da cultura oprimi também, e encaminham tudo e todos
para um fosso mais que imediato; muitas vezes, essa articulação é regulada por
aqueles que também transitam pela retórica da autonomia e da liberdade de
expressão, quando na verdade, lidam com esses discursos de forma muito
aparente, e, em lugar de agregar referências, dão mais vazão ao traço mais
perverso da opressão, ao transmitir para o outro uma lógica de perfeição advinda daquilo que se esconde por trás da vaidade
mais que perfeita, ao deixarem a opinião do seu interlocutor sem canais de
nenhuma apropriada comunicação, como se não houvesse sentido nem lugar de fala.
Isso ocorre com muita frequência no meio intelectual, lido como humanistas,
porém tão desconectados com o real que chegam a ver fantasmas, onde só há
pessoas querendo comunicar suas próprias limitações.
Já se faz tarde a hora da retirada destas cenas da vida pública, pois
assim como na França jacobina do século XVIII não se encontra espaço para
dialogar com o presente, em meio a tantos desassossegos, porque não há lei nem
justiça para a sentença do desespero, em meio aos desiguais, e, o tempo anda
muito escuro, guardando tramas e segredos diante das denuncias impostas pelo
medo institucional.
Enfim, ao menos devemos aceitar a teoria definitiva da existência
proposta por José Maria de Eça Queiroz[4]
nos episódios da vida romântica descrito na obra Os Maias: “Nada a desejar,
nada a recear, não se abandonar uma esperança, nem um desapontamento, tudo
aceitar, o que vem e o que foge...”.
[2]
Pesquisador da Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Coordenador do Núcleo de
Estudos Foucaultiano.
[3] Na mitologia grega, Lethes
é o nome de um dos rios do Hades, capaz de fazer esquecer quem o bebesse dele
ou apenas o tocasse. Lethes também significa “esquecimento”.
[4]
Escritor e diplomata português. É considerado um dos mais importantes
escritores portugueses da chamada Geração dos Vencidos. Escreveu Os Maias,
considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX.
Estamos todos condenados pelo vírus da vaidade. Essa afirmativa nos impõe algumas consequências, de causa e efeito, que naturalmente, e por longo tempo, nos conduzirá pelo limiar do total esquecimento. É como se tivéssemos bebido ou tocado nas águas do rio Lethes...[1]Temos nos tornado isolados e soberbos porque, simplesmente, deixamos de confiar no ser humano; é como se o outro tivesse que ser plateia o tempo todo; sempre coadjuvante nunca protagonista. Se não confiamos nos sujeitos humanos, por que deveremos esperar dele confiança mútua?
O teatro é o melhor espaço para verificarmos in loco todas as constatações dos efeitos nocivos dessa doença
silenciosa que corrói o ser humano; isto porque assim como descreveu
Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) sobre o seu Método Trágico Coercitivo, os
sujeitos, tidos como humanos estão cada dia mais isolados, egocêntricos,
pervertidos, cegos e indiferentes aos problemas do outro. A ideia proposta pelo
filósofo grego é também uma proposição de escolarização ao domínio; queremos
dominar sempre, e, para tanto, é preciso dividir sem repartir; dividir pessoas
sem compartilhar proposições; dividir plateias por entre especulações; dividir
para alcançar o domínio total. Ou seja, uns ocuparão o lugar de fala do
espectador, enquanto outros serão os protagonistas da cena. Mas esse contexto
requer divisão de tarefas, e, quase sempre requer dividir anseios, propostas e
projetos. Como a humanidade não quer dividir com todos o tudo, nem o nada
acabamos visualizando a cena mais trágica que caracterizará os atos seguintes
rumo ao isolamento total da espécie.
Nesse amargo avanço do vírus da vaidade, os indivíduos acabam
requerendo para si a percepção fatal da desconfiança, que não transforma nada; que
gera mais isolamento e incompreensão, tornando-nos seres desconfiados,
maliciosos, sem maturidade, e, produtos de uma retórica vazia.
A provocação nos remete a uma questão de pesquisa, que se impõe como
afirmativa: Se estamos isolados e não participamos das decisões, toda e
qualquer percepção da realidade passa a ser fruto de uma retórica sem nenhuma
função, isto porque passamos a compreender o cotidiano como produto de uma ação
regulada pela ansiedade, e, o resultado é o total descumprimento de nossas
funções sociais, porque não há sentido respeitar, quando não somos respeitados;
não há sentido conjugar quando somos apenas julgados; não há sentido de
participação quando não somos impelidos a participar das decisões.
Por isso o vírus da vaidade se impõe para nos tornarmos cegos nas
nossas próprias concepções, e, com o tempo, ele vai corroendo nossas vísceras,
nossos desejos, nossas ações, nossos sonhos e nos tornamos uma mercadoria sem o
nítido valor esperado, pois tudo em nosso redor é tanta coisa e é coisa
nenhuma, mesmo quando não faltam motivos para se crer que vivemos em tempos
sombrios.
Contrariando a ordem dos acontecimentos, é sempre importante relembrar
o que deixou implícito em sua obra o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), sobre os efeitos provocados pela esterilização da racionalidade,
ou até mesmo, de verdades impolutas, que levam os homens a se distanciarem da
natureza e se corromperem, degenerando a essência de si no plano das virtudes
cívicas, ao ser inserido nas sangrias dos vícios da realidade, limitando-se a
caminhar para os reinos inferiores da cultura.
Muito antes dessa onda de ansiedades invadirem o universo social,
certamente se soubéssemos no que daria o atropelo neocolonialista de se pretender
civilizar o mundo teríamos compreendido o que terminou por gerar isso que se vê
na contemporaneidade com a radicalização dos tempos líquidos, feito por sujeitos
panfletários, e desajustados. A idade da razão nos dirá: nunca houve e nem
haverá comunhão entre os desiguais, porque o que está faltando é diálogo. Sem
diálogo, não há possibilidade de haver comunhão!
Essa máxima não é de Sartre, mas poderia sê-lo, pois se constata que o estado de direito corre perigo porque a
sociedade anda desarticulada nesse quadro social de instabilidades, onde quem
detém o poder simbólico da cultura oprimi também, e encaminham tudo e todos
para um fosso mais que imediato; muitas vezes, essa articulação é regulada por
aqueles que também transitam pela retórica da autonomia e da liberdade de
expressão, quando na verdade, lidam com esses discursos de forma muito
aparente, e, em lugar de agregar referências, dão mais vazão ao traço mais
perverso da opressão, ao transmitir para o outro uma lógica de perfeição advinda daquilo que se esconde por trás da vaidade
mais que perfeita, ao deixarem a opinião do seu interlocutor sem canais de
nenhuma apropriada comunicação, como se não houvesse sentido nem lugar de fala.
Isso ocorre com muita frequência no meio intelectual, lido como humanistas,
porém tão desconectados com o real que chegam a ver fantasmas, onde só há
pessoas querendo comunicar suas próprias limitações.
Já se faz tarde a hora da retirada destas cenas da vida pública, pois
assim como na França jacobina do século XVIII não se encontra espaço para
dialogar com o presente, em meio a tantos desassossegos, porque não há lei nem
justiça para a sentença do desespero, em meio aos desiguais, e, o tempo anda
muito escuro, guardando tramas e segredos diante das denuncias impostas pelo
medo institucional.
Enfim, ao menos devemos aceitar a teoria definitiva da existência
proposta por José Maria de Eça Queiroz[2]
nos episódios da vida romântica descrito na obra Os Maias: “Nada a desejar,
nada a recear, não se abandonar uma esperança, nem um desapontamento, tudo
aceitar, o que vem e o que foge...”.
[1] Na mitologia grega, Lethes
é o nome de um dos rios do Hades, capaz de fazer esquecer quem o bebesse dele
ou apenas o tocasse. Lethes também significa “esquecimento”.
[2]
Escritor e diplomata português. É considerado um dos mais importantes
escritores portugueses da chamada Geração dos Vencidos. Escreveu Os Maias,
considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX.