sexta-feira, 4 de outubro de 2019



O Amargo Avanço do Vírus da Vaidade.[1]


[1] Boletim Informativo do Núcleo de Estudos Foucaultiano Ano 7 – Nº 0003 Outubro/ 2019 – São Raimundo Nonato.


                                           © Agencia Rafão Design, 2019.


Gênesis Naum de Farias – Pesquisador da Universidade 
Estadual do Piauí – UESPI/ Coordenador do Núcleo de Estudos Foucaultiano. 

Estamos todos condenados pelo vírus da vaidade. Essa afirmativa nos impõe algumas consequências, de causa e efeito, que naturalmente, e por longo tempo, nos conduzirá pelo limiar do total esquecimento. É como se tivéssemos bebido ou tocado nas águas do rio Lethes...[3]Temos nos tornado isolados e soberbos porque, simplesmente, deixamos de confiar no ser humano; é como se o outro tivesse que ser plateia o tempo todo; sempre coadjuvante nunca protagonista. Se não confiamos nos sujeitos humanos, por que deveremos esperar dele confiança mútua?
O teatro é o melhor espaço para verificarmos in loco todas as constatações dos efeitos nocivos dessa doença silenciosa que corrói o ser humano; isto porque assim como descreveu Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) sobre o seu Método Trágico Coercitivo, os sujeitos, tidos como humanos estão cada dia mais isolados, egocêntricos, pervertidos, cegos e indiferentes aos problemas do outro. A ideia proposta pelo filósofo grego é também uma proposição de escolarização ao domínio; queremos dominar sempre, e, para tanto, é preciso dividir sem repartir; dividir pessoas sem compartilhar proposições; dividir plateias por entre especulações; dividir para alcançar o domínio total. Ou seja, uns ocuparão o lugar de fala do espectador, enquanto outros serão os protagonistas da cena. Mas esse contexto requer divisão de tarefas, e, quase sempre requer dividir anseios, propostas e projetos. Como a humanidade não quer dividir com todos o tudo, nem o nada acabamos visualizando a cena mais trágica que caracterizará os atos seguintes rumo ao isolamento total da espécie.
Nesse amargo avanço do vírus da vaidade, os indivíduos acabam requerendo para si a percepção fatal da desconfiança, que não transforma nada; que gera mais isolamento e incompreensão, tornando-nos seres desconfiados, maliciosos, sem maturidade, e, produtos de uma retórica vazia.
A provocação nos remete a uma questão de pesquisa, que se impõe como afirmativa: Se estamos isolados e não participamos das decisões, toda e qualquer percepção da realidade passa a ser fruto de uma retórica sem nenhuma função, isto porque passamos a compreender o cotidiano como produto de uma ação regulada pela ansiedade, e, o resultado é o total descumprimento de nossas funções sociais, porque não há sentido respeitar, quando não somos respeitados; não há sentido conjugar quando somos apenas julgados; não há sentido de participação quando não somos impelidos a participar das decisões.
Por isso o vírus da vaidade se impõe para nos tornarmos cegos nas nossas próprias concepções, e, com o tempo, ele vai corroendo nossas vísceras, nossos desejos, nossas ações, nossos sonhos e nos tornamos uma mercadoria sem o nítido valor esperado, pois tudo em nosso redor é tanta coisa e é coisa nenhuma, mesmo quando não faltam motivos para se crer que vivemos em tempos sombrios.
Contrariando a ordem dos acontecimentos, é sempre importante relembrar o que deixou implícito em sua obra o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), sobre os efeitos provocados pela esterilização da racionalidade, ou até mesmo, de verdades impolutas, que levam os homens a se distanciarem da natureza e se corromperem, degenerando a essência de si no plano das virtudes cívicas, ao ser inserido nas sangrias dos vícios da realidade, limitando-se a caminhar para os reinos inferiores da cultura.
Muito antes dessa onda de ansiedades invadirem o universo social, certamente se soubéssemos no que daria o atropelo neocolonialista de se pretender civilizar o mundo teríamos compreendido o que terminou por gerar isso que se vê na contemporaneidade com a radicalização dos tempos líquidos, feito por sujeitos panfletários, e desajustados. A idade da razão nos dirá: nunca houve e nem haverá comunhão entre os desiguais, porque o que está faltando é diálogo. Sem diálogo, não há possibilidade de haver comunhão!
Essa máxima não é de Sartre, mas poderia sê-lo, pois se constata que o estado de direito corre perigo porque a sociedade anda desarticulada nesse quadro social de instabilidades, onde quem detém o poder simbólico da cultura oprimi também, e encaminham tudo e todos para um fosso mais que imediato; muitas vezes, essa articulação é regulada por aqueles que também transitam pela retórica da autonomia e da liberdade de expressão, quando na verdade, lidam com esses discursos de forma muito aparente, e, em lugar de agregar referências, dão mais vazão ao traço mais perverso da opressão, ao transmitir para o outro uma lógica de perfeição advinda daquilo que se esconde por trás da vaidade mais que perfeita, ao deixarem a opinião do seu interlocutor sem canais de nenhuma apropriada comunicação, como se não houvesse sentido nem lugar de fala. Isso ocorre com muita frequência no meio intelectual, lido como humanistas, porém tão desconectados com o real que chegam a ver fantasmas, onde só há pessoas querendo comunicar suas próprias limitações.
Já se faz tarde a hora da retirada destas cenas da vida pública, pois assim como na França jacobina do século XVIII não se encontra espaço para dialogar com o presente, em meio a tantos desassossegos, porque não há lei nem justiça para a sentença do desespero, em meio aos desiguais, e, o tempo anda muito escuro, guardando tramas e segredos diante das denuncias impostas pelo medo institucional.
Enfim, ao menos devemos aceitar a teoria definitiva da existência proposta por José Maria de Eça Queiroz[4] nos episódios da vida romântica descrito na obra Os Maias: “Nada a desejar, nada a recear, não se abandonar uma esperança, nem um desapontamento, tudo aceitar, o que vem e o que foge...”.    

  





[2] Pesquisador da Universidade Estadual do Piauí – UESPI/ Coordenador do Núcleo de Estudos Foucaultiano.

[3] Na mitologia grega, Lethes é o nome de um dos rios do Hades, capaz de fazer esquecer quem o bebesse dele ou apenas o tocasse. Lethes também significa “esquecimento”.
[4] Escritor e diplomata português. É considerado um dos mais importantes escritores portugueses da chamada Geração dos Vencidos. Escreveu Os Maias, considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX.


Estamos todos condenados pelo vírus da vaidade. Essa afirmativa nos impõe algumas consequências, de causa e efeito, que naturalmente, e por longo tempo, nos conduzirá pelo limiar do total esquecimento. É como se tivéssemos bebido ou tocado nas águas do rio Lethes...[1]Temos nos tornado isolados e soberbos porque, simplesmente, deixamos de confiar no ser humano; é como se o outro tivesse que ser plateia o tempo todo; sempre coadjuvante nunca protagonista. Se não confiamos nos sujeitos humanos, por que deveremos esperar dele confiança mútua?
O teatro é o melhor espaço para verificarmos in loco todas as constatações dos efeitos nocivos dessa doença silenciosa que corrói o ser humano; isto porque assim como descreveu Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) sobre o seu Método Trágico Coercitivo, os sujeitos, tidos como humanos estão cada dia mais isolados, egocêntricos, pervertidos, cegos e indiferentes aos problemas do outro. A ideia proposta pelo filósofo grego é também uma proposição de escolarização ao domínio; queremos dominar sempre, e, para tanto, é preciso dividir sem repartir; dividir pessoas sem compartilhar proposições; dividir plateias por entre especulações; dividir para alcançar o domínio total. Ou seja, uns ocuparão o lugar de fala do espectador, enquanto outros serão os protagonistas da cena. Mas esse contexto requer divisão de tarefas, e, quase sempre requer dividir anseios, propostas e projetos. Como a humanidade não quer dividir com todos o tudo, nem o nada acabamos visualizando a cena mais trágica que caracterizará os atos seguintes rumo ao isolamento total da espécie.
Nesse amargo avanço do vírus da vaidade, os indivíduos acabam requerendo para si a percepção fatal da desconfiança, que não transforma nada; que gera mais isolamento e incompreensão, tornando-nos seres desconfiados, maliciosos, sem maturidade, e, produtos de uma retórica vazia.
A provocação nos remete a uma questão de pesquisa, que se impõe como afirmativa: Se estamos isolados e não participamos das decisões, toda e qualquer percepção da realidade passa a ser fruto de uma retórica sem nenhuma função, isto porque passamos a compreender o cotidiano como produto de uma ação regulada pela ansiedade, e, o resultado é o total descumprimento de nossas funções sociais, porque não há sentido respeitar, quando não somos respeitados; não há sentido conjugar quando somos apenas julgados; não há sentido de participação quando não somos impelidos a participar das decisões.
Por isso o vírus da vaidade se impõe para nos tornarmos cegos nas nossas próprias concepções, e, com o tempo, ele vai corroendo nossas vísceras, nossos desejos, nossas ações, nossos sonhos e nos tornamos uma mercadoria sem o nítido valor esperado, pois tudo em nosso redor é tanta coisa e é coisa nenhuma, mesmo quando não faltam motivos para se crer que vivemos em tempos sombrios.
Contrariando a ordem dos acontecimentos, é sempre importante relembrar o que deixou implícito em sua obra o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), sobre os efeitos provocados pela esterilização da racionalidade, ou até mesmo, de verdades impolutas, que levam os homens a se distanciarem da natureza e se corromperem, degenerando a essência de si no plano das virtudes cívicas, ao ser inserido nas sangrias dos vícios da realidade, limitando-se a caminhar para os reinos inferiores da cultura.
Muito antes dessa onda de ansiedades invadirem o universo social, certamente se soubéssemos no que daria o atropelo neocolonialista de se pretender civilizar o mundo teríamos compreendido o que terminou por gerar isso que se vê na contemporaneidade com a radicalização dos tempos líquidos, feito por sujeitos panfletários, e desajustados. A idade da razão nos dirá: nunca houve e nem haverá comunhão entre os desiguais, porque o que está faltando é diálogo. Sem diálogo, não há possibilidade de haver comunhão!
Essa máxima não é de Sartre, mas poderia sê-lo, pois se constata que o estado de direito corre perigo porque a sociedade anda desarticulada nesse quadro social de instabilidades, onde quem detém o poder simbólico da cultura oprimi também, e encaminham tudo e todos para um fosso mais que imediato; muitas vezes, essa articulação é regulada por aqueles que também transitam pela retórica da autonomia e da liberdade de expressão, quando na verdade, lidam com esses discursos de forma muito aparente, e, em lugar de agregar referências, dão mais vazão ao traço mais perverso da opressão, ao transmitir para o outro uma lógica de perfeição advinda daquilo que se esconde por trás da vaidade mais que perfeita, ao deixarem a opinião do seu interlocutor sem canais de nenhuma apropriada comunicação, como se não houvesse sentido nem lugar de fala. Isso ocorre com muita frequência no meio intelectual, lido como humanistas, porém tão desconectados com o real que chegam a ver fantasmas, onde só há pessoas querendo comunicar suas próprias limitações.
Já se faz tarde a hora da retirada destas cenas da vida pública, pois assim como na França jacobina do século XVIII não se encontra espaço para dialogar com o presente, em meio a tantos desassossegos, porque não há lei nem justiça para a sentença do desespero, em meio aos desiguais, e, o tempo anda muito escuro, guardando tramas e segredos diante das denuncias impostas pelo medo institucional.
Enfim, ao menos devemos aceitar a teoria definitiva da existência proposta por José Maria de Eça Queiroz[2] nos episódios da vida romântica descrito na obra Os Maias: “Nada a desejar, nada a recear, não se abandonar uma esperança, nem um desapontamento, tudo aceitar, o que vem e o que foge...”.    

  




[1] Na mitologia grega, Lethes é o nome de um dos rios do Hades, capaz de fazer esquecer quem o bebesse dele ou apenas o tocasse. Lethes também significa “esquecimento”.

[2] Escritor e diplomata português. É considerado um dos mais importantes escritores portugueses da chamada Geração dos Vencidos. Escreveu Os Maias, considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX.