Gênesis Naum de Farias, Prof.º Esp.ª Do Colegiado de Pedagogia na Universidade
Estadual do Piauí – UESPI/ Coordenador do Núcleo de Estudos Foucaultiano;
Prof.º Esp.ª Do Colegiado de Ciências da Natureza na Universidade Federal do
Vale do São Francisco – UNIVASF. E-mail: nucleofoucaultiano@gmail.com
Lennon Oliveira Matos, Estudante de Arqueologia e Preservação Patrimonial na Universidade
Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF; Membro do Núcleo de Estudos
Foucaultiano – Universidade Estadual do Piauí – UESPI. E-mail:
lennon.matos@hotmail.com
RESUMO
A discussão
deste ensaio crítico assume o compromisso de refletir as questões que interessam às mudanças
cruciais ocorridas nas últimas décadas na formação do arqueólogo no território
do ensino superior, se propondo a compreender os enunciados teóricos que
documentam os diferentes olhares que estruturam nossas instituições de ensino, se
preocupando em pensar os desafios significativos da profissão do arqueólogo para
a contemporaneidade através dos novos rumos que a educação, através do
currículo, enfrentará no século XXI, tendo como eixos centrais o domínio
técnico numa época em que a produção do conhecimento tornou-se crucial para o
desenvolvimento econômico e social. Daí a importância de se repensar o lugar da
Universidade como espaço de subjetividade e seus dispositivos de controle
instituídos pela Razão Pedagógica. Neste cenário, para que se alcance o
objetivo proposto é preciso tornar claro para todos os atores educacionais
quais são os pressupostos epistemológicos que norteiam o currículo oficial em tempos
de subjetividade e crise.
Palavras-Chave: Arqueologia; Currículo;
Práticas Pedagógicas; Subjetivação; Tecnologias de Si.
Introdução: O Ofício das Contradições.
Entre o onírico e o real, o
passado é um fantasma que assusta, reacende princípios, exalta valores, se
fecha ou se fortalece, mas continua no passado como um problema, para o
presente pensar o futuro. Isso ocorre com a trabalhosa profissão do Arqueólogo.
Ele carrega nos ombros a matéria da existência, e nesta busca por uma razão
esclarecedora suas observações podem redefinir mundos, forjar verdades,
fortalecer identidades ou até subjugar homens. Esta questão é pertinente! O que
o passado ainda nos reserva? O que ainda precisamos aprender com ele para
enfrentarmos o futuro e impor nosso próprio tempo? É bom pensar na hipótese do
Arqueólogo Walter Neves quando se debatia com o problema do Povoamento
Americano: “De onde teria vindo Luzia? Seria ela remanescente de um povo
extinto, que ocupou a América há milhares e milhares de anos e acabou dizimado
em guerras e catástrofes naturais?” Hoje a Universidade de Manchester, na Inglaterra, endossa o
trabalho do nobre brasileiro que se habilitou a estudar a descoberta de 1975 e
que atende pela máxima: “o crânio de Luzia é o mais antigo fóssil já
encontrado nas Américas”. Se a ciência tem razão, eis uma questão a se descobrir! Mas o que esse exemplo tem
haver com o Ofício do Arqueólogo? Às vezes gosto de pensar a Arqueologia como a
ciência da mentira, da impostação, dos feudos diplomáticos, das comiserações,
das conveniências... E penso nos serviços prestados por esta ciência para uma
humanidade desde sempre desumana, raquítica, pobre, despossuída de beleza e com
valores arcaicos e cheios de perversas certezas.
É quando me volto ao
trabalho do profissional da Arqueologia e vejo as singularidades nas parcerias
com outras disciplinas dentro do discurso da Ciência Moderna e quero ressignificar
meus conceitos para voltar a acreditar que a mesma sempre foi entendida como a
“ciência que estuda os restos matérias dos povos do passado”. Atualmente,
essa é uma área de mercado que vem conhecendo muitas modificações e ganhando
novos métodos e amplos objetos de estudo, podendo propor outras formas de
empreendimento laboral, frente às demandas regionais e ecológicas, jurídicas e
culturais. A Arqueologia ao longo do tempo ampliou conceitos e propôs rupturas,
mas nunca perdeu de vista o estatuto do conhecimento que a leva a se preocupar
com o estudo das antigas culturas da humanidade. Atrelado a isto, é
nominalmente taxada de “velha”, “antiga”, “arcaica” e outros arquétipos mais.
No geral, os arqueólogos limitam o entendimento a percebê-la como disciplina a
partir do exato instante em que se passou a explicar procedimentos em
detrimento apenas de colecionar objetos.
Então, a Arqueologia é
definida na maioria das vezes como o “estudo sistemático dos restos materiais
da vida humana já desaparecida” (isso quando a definição parte da necessidade
do estudo de antiguidades); quando o seu estatuto passa a se preocupar com
comportamentos, ela é enfática: “É a reconstrução da vida dos povos antigos”.
Há também os que a consideram uma subdisciplina; os que se preocupam apenas com
as culturas humanas; os que se cercam das manifestações materiais das ditas
culturas; os que vendem suas almas ao dinheiro ou os que se filiam ao
“contrato” (câncer para o ensino formal e intelectual). Enfim, há gosto para
tudo nesta ciência, porém o importante é nunca perder de vista que se deve ter
algum tipo de comprometimento com a seriedade científica.
Veja que
mesmo havendo apenas a preocupação com o utensílio como elemento cronológico,
esse estudante ou estudioso da área, curioso ou qualquer que seja o termo,
deverá pensá-lo como objeto de estudo, quer seja estético ou prático; seu
instrumento de trabalho (o pensamento, a lucidez, o compromisso, a missão)
deverá atentar-se sempre para o fato de que há naquele objeto mais que
pensamento; há valores de uma cultura que precisa do presente para gerir novas
culturas e tornar as fronteiras do conhecimento menos amargurante para quem
precisa desses valores para se reencontrar com suas incertezas históricas no
futuro. Portanto, o estudo é ainda mais sério; passa por investidas intelectuais
significativas como ser um estudante que gosta de ler, por exemplo, ─; ler para
conhecer, ler para ter um posicionamento, ler para melhor se informar, ler para ser em detrimento do ter somente, como causa e
efeito do possuir como poder de uso e desuso para usufruto dos saberes. Como
vinha pensando, a Arqueologia Moderna se bricola com outras disciplinas.
Trabalha sempre com o horizonte conceitual de que precisa estabelecer
cronologias, datar objetos, descrever costumes, escrever histórias... Para tanto,
precisa se certificar de outros saberes para chegar a resultados como datações
que precedem ora da Física (carbono 14), ora da Geologia (técnicas geológicas),
ora da Paleontologia (restos faunísticos), ora da Sociologia, Geografia,
Demografia, Economia e Ciências Públicas ─; quando o que se quer for
reconstruir formas de vida para pensar a sustentabilidade ou o contrário. E o
resultado disso uma Enciclopédia disse-me outro dia: “Na atualidade, os
arqueólogos dedicam sua atenção aos materiais recentes e investigam os resíduos
e os depósitos urbanos, originando a denominada Arqueologia Industrial”.
É visível que
o Ofício do Arqueólogo não é fácil, visto que há uma demasiada preocupação em
salvaguardar princípios, preconceitos, relações de poderes e conflitos pessoais
que destroem relações e até sonhos muito antigos. Tudo isso aplicando etapas. O
Pesquisador Argentino Andrés Zarankin (2002, p. 27) afirma: “Como arqueólogos, criamos um discurso sobre
o passado traduzindo objetos em discursos. Para isso os articulamos de modo que
essas características do passado tenham coerência e sentidos para nós.
Trabalhamos com coisas mortas que ressignificamos continuamente e fazemo-las
contemporâneas, para depois matá-las ao congelá-las num discurso estático sobre
o passado (...)”. É como estudar por decapagem, mas o trabalho é
reconfortante; requer vontade, transcendência, paixão, romantismo, coragem para
“matar leões todos os dias”. Ou seja,
superar diferenças, olhar para frente, conviver e unir inteligência com prudência
para se ambientar ao “Mundo Perdido”, que por sinal foi o primeiro grande
romance de aventuras arqueológicas de Arthur Conan Doyle ─ criador do Sherlock
Holmes ─ a primeira influência romanesca dos grandes exploradores. A
Arqueologia é isso, “um museu de grandes novidades”.
Enfim, a proposta deste ensaio crítico foi dirigida e pensada para
enfatizar os elementos que fundamentam o Currículo como abordagem para a
Formação do Arqueólogo, e está dividida em três seções onde é possível perceber
já na Primeira Seção que há uma tentativa em tecer as primeiras ligações teóricas
entre os processos que compõe os laços entre o lugar social da Educação como
espaço formativo. É aí onde se apresentam as tessituras que enfatizam o
Arqueólogo com Intelectual, sendo prioritário pensar os lugares da
transformação, para compreendermos a dimensão do território social e discursivo
do Currículo e das propostas para a formação do pensamento arqueológico. Na Segunda
Seção pode-se perceber, através da
análise das teorias do currículo que abordagens se aplicam ou podem ser
aplicadas nos espaços formativos das Universidades para adequar o tempo
arqueológico às novas aprendizagens, quando se faz necessário pensar a cultura
do homem contemporâneo sem desprezar os conceitos produzidos pela cultura
material dos povos do passado, servindo para unir teoria e prática no contexto
multicultural onde se localizará o trabalho prático do arqueólogo como
cientista na ânsia de alcançar explicações para os dados a serem obtidos em
pesquisa de campo, objetivando unir técnicas de interpretação a explicações
científicas que servirão para descrever os processos que instrumentalizaram o
campo da pesquisa em sala de aula. Na Terceira
Seção, são descritos os
procedimentos de análise do poder estabelecido no Campo Científico como
elemento de contextualização para a reflexão crítica sobre os instrumentos
aplicados nestes nichos sociais responsáveis pela transformação da cultura como
objeto de análise do passado, tendo em vista o objetivo que trazer é para o
presente, elementos que transformem o pensamento do homem contemporâneo. O ensaio
se amplia com as Considerações Finais,
onde os reflexos práticos do ensaio trazem para o centro da discussão a
fundamentação teórica, contemplando as reflexões alcançadas através de
conhecimentos adquiridos nesse estudo, fazendo um breve passeio pelo lugar
social do arqueólogo com educador, na função que exerce frente aos desafios
propostos à Educação para o século XXI.
O Arqueólogo como Intelectual Transformador
no Contexto da Formação.
Ao que parece, vivemos numa época de notáveis transformações no modo de
pensar, agir e sentir. Modelos teóricos e quadros referenciais norteiam o
pensar ordenando-o dentro de sistemas de valores através de um conjunto de
normas, elaborados para regimentar o comportamento humano, nem sempre coerente,
pautado por valores que se tornam a cada dia obsoletos. Muito se fala,
atualmente, sobre a nova sociedade que se estrutura para o século XXI e para os
séculos seguintes. Aqui assumimos o compromisso de discutir as questões que
interessam às mudanças cruciais ocorridas nas últimas décadas, no território da
Educação, trazendo consigo a necessidade de repensarmos de forma profunda a
estrutura curricular de nossas Instituições de Ensino Superior. Para isso, a abordagem imediata
que se faz neste inicio de milênio propõe resultados para um período muito
singular: as simultâneas revoluções tecnológicas e o acesso massificado à
informação. A seguir, são analisados os efeitos desses fatores nas instituições de ensino,
tendo como reflexo as questões que se colocam na ordem dos novos currículos
para uma sociedade do conhecimento como razão pedagógica, se propondo a compreender os enunciados teóricos que
documentam os diferentes olhares que estruturam nossos currículos em Instituições
de Ensino Superior, preocupando-se em pensar os desafios significativos para a
contemporaneidade através dos novos rumos que a Educação enfrentará no século
XXI, tendo como eixos centrais o domínio técnico numa época em que a produção
do conhecimento tornou-se crucial para o desenvolvimento econômico e social.
Daí a importância de se repensar o lugar da escola, o lugar do educador e o
lugar do fazer pedagógico. Para que se alcance esse objetivo é preciso tornar
claro para todos os educadores quais são os pressupostos epistemológicos que
fundamentam suas crenças a respeito da Educação. Mas do que defender posições,
a delimitação de problemáticas ligadas ao ensino tem tentado estreitar os laços
que unem a formação do formador e, neste caso, em especial, os Cursos de Arqueologia
enfrentam ao mesmo tempo dilemas que extrapolam os focos de interpretação
filosófica, sociológica, antropológica e política, quando questões
disciplinares não atingem o campo multidisciplinar.
Vivemos uma época em que a produção do conhecimento tornou-se crucial
para o desenvolvimento econômico e social. Conceitos como sociedade do
conhecimento, economia do conhecimento, gestão do conhecimento e sociedade
aprendente são amplamente utilizados para caracterizar a sociedade do século
XXI como uma sociedade relativa à informação. Contudo, a Educação Nacional está
em crise porque os atores do campo educacional, e diga-se da passagem, muitos
educadores não tem se preocupado com as prioridades que servem para elevar a
autoestima e ampliar as aprendizagens a um patamar que dê formação e
conhecimento suficiente a toda a comunidade acadêmica para enfrentar as
dificuldades oriundas da inserção dos novos saberes em uma globalidade de
acontecimentos que atende pelas novas tecnologias inseridas no mundo real.
No geral, o que se percebe publicamente é a influencia
de economistas que supervalorizam e quantificam dados propostos como
políticas educacionais, definindo as metas de projeção, em detrimento da
posição política dos educadores quando são deixados de lado, no intuito de
pensarem conjuntamente os valores para melhorar o cotidiano nas escolas,
através de políticas de inclusão e qualificação. Lacan enfatiza: “(...) Só é ensino verdadeiro aquele que
consegue despertar uma insistência naqueles que escutam, este desejo de saber
que só pode surgir quando eles próprios tomarem a medida da ignorância como tal
– naquilo em que ela é, como tal, fecunda – e isto também vale para aquele que
ensina”. (1985. p.260). Portanto, falar de Educação é basicamente trabalhar
com o conhecimento. Se nem sempre a Formação prima pela precisão conceitual e
rigor analítico, esta mesma Educação deixa claro que seu objetivo não pretende
querer explorar uma abordagem curricular que se mistura aos diversos registros
propostos pelas profundas marcas impostas pela sociedade contemporânea ao se
alicerçar na fluidez dos processos que desterritorializam
os sujeitos e suas representações simbólicas.
A Formação do Arqueólogo: Uma Abordagem do
Currículo.
Por meio do exame conceitual dos diversos campos do saber, a Educação
possui um sentido transversal que a ela é proposto para tratar das atuais
construções do indivíduo, do sujeito e dos diversos “eus” que se colocam na ordem dos fatores psicológicos. Nisto o
Currículo Crítico integra os diferentes campos do Fazer Pedagógico para propor
através transdisciplinaridade um
ensino não fragmentado, oportunizando os sujeitos aprendentes a pensarem com
autonomia a coisa pensada, objetivando formar conceitos a partir de grandes
pontos de vista, tendo em foco o surgimento de novas maneiras de sentir. E,
para tornar mais evidentes as mudanças por que passam as concepções de eu, de
sujeito e de indivíduo, se faz necessário dialogizar os processos, contrastando
assim o estudo do ser humano dos dias atuais com o de outros tempos históricos.
(MORIN, 1997. p. 165).
O homem necessita de informações para poder sobreviver num mundo
gerenciado por tecnologias que a cada novo dia se renova, se aperfeiçoa. Então,
como a Educação pode formar homens críticos para enfrentar esse novo padrão de
vida? Desde a Revolução Industrial, na Inglaterra, que o ser humano passou a
disputar com máquinas um lugar no mercado de trabalho. Estamos na chamada era
da revolução tecnológica, onde a máquina se modernizou, foi aperfeiçoada e
começa a assumir o lugar de milhares de homens no mercado produtivo. Com isso,
os conceitos de Educação tiveram que mudar. Dilemas são enfrentados todos os dias no
ambiente das salas de aula e, um dos mais complexos é o fato do educador muitas
vezes não dominar uma prática discursiva coerente com seus anseios políticos,
que lhe dê motivação para enfrentar problemas básicos como: pouca familiaridade
com o ambiente escolar; falta de prática pedagógica e contato insuficiente com
as diversas modalidades de ensino. O processo educativo só se transforma em
prática consciente quando o Educador reflete sobre suas concepções e é capaz de
justificá-las para a comunidade em que está inserido com uma ação que precede
uma reflexão desta mesma ação. (NÓVOA, 2001. p. 174).
Retraçar a história do sujeito através dos processos formativos,
apontando os modos pelos quais ele expressa sua vivência existencial, é um dos propósitos teóricos do Currículo
Crítico. Ele se propõe a mostrar que os processos formativos podem estreitar a
relação conceitual entre realidade e subjetividade, quando por meio do ensino
multidisciplinar o educador amplia a visão que se tem da própria condição
humana frente às incertezas que se colocam historicamente no tempo das suas próprias
contradições, fazendo da Educação um Território de Resistência capaz de alargar
os horizontes conceituais para mediar dúvidas, refazer caminhos, reconhecer no mundo
complexo as fraquezas do indivíduo quando o mesmo é levado a perceber em que
medida certos comportamentos e certas práticas acabam por estruturar certo modo
de ser do indivíduo, do sujeito e do eu. O indivíduo hipermoderno é levado
também a se dar conta de sua atual condição no meio em que vive porque é
cobrado a perceber-se como sujeito que trabalha o intelecto para transformar sua
própria relação com a subjetividade. (GUATTARI; RONIK, 1996. p. 27/33).
Nisto, é importante lembrar que o discurso emancipatório da Modernidade Tardia se baseava na
apropriação conceitual de dois pilares: a) a vigência da sociedade do trabalho;
b) a justificativa da existência do ser social como um sujeito consciente de
sua individualidade, que não se priva do convívio em sociedade. Alguns
diriam que este projeto de emancipação humana fracassou, por se concentrar
apenas no processo técnico, tendo como resultado final a degradação social. As
novas competências, lançadas pelos teóricos da nova sociologia da educação
expõe a necessidade primordial de se pensar os sujeitos transformadores como
intelectuais para enfrentarem a situação exposta com intervenções efetivas que
podem ser obtidas a partir da compreensão do desenvolvimento humano e dos
processos das aprendizagens significativas que transformam saberes culturais em
saberes políticos e sociais, exigindo da sociedade do conhecimento, mais acesso
à informação e um constante aprimoramento nas relações entre individuo e
sociedade. (GIROUX, 1997. p. 166).
Uma característica fundamental da abordagem do Currículo Crítico como
teoria pedagógica no debate contemporâneo na educação, é a preocupação com os
sujeitos em situação de aprendizagem. No entanto, ocorre uma profunda
incoerência no ato educativo quando educadores, entre espaços públicos e
privados, não conseguem atingir os princípios da Educação Humanística e, em decorrência
da forte psicologização da chamada sociedade Pós-moderna fazem do ato formativo
uma mera reprodução de valores arcaicos e conservadores, assim como reforçam mecanismos
e modos de funcionamento coletivos e institucionais, sem se preocupar com a desinstitucionalização
que amplia o desencantamento e a ausência da significância. O exposto evidencia
que numa sociedade onde o conhecimento é a mola propulsora para o
desenvolvimento pessoal, a mudança nos Currículos das Universidades servirá
para enfrentar e frear o isolamento e a massificação do indivíduo, sua intensa
instabilidade emocional, sua inconsistência humana. (HAROCHE, 2010).
As Relações de Poder no Campo Científico.
Sob o efeito da aceleração e da globalização, as maneiras de sentir a
subjetividade em tempos de crise, no duplo sentido do termo, transformam-se
tanto que sua relação com o presente quanto com o passado ou com o futuro alteram
a formação do Arqueólogo para o mercado de trabalho sem a preocupação de
formá-lo para a vida. Exemplo disso é o caráter transitório e fugaz dos
vínculos que se criam pela formação através dos espaços formais do Campo
Científico. Com a diluição das fronteiras entre o mundo real e os mundos
vividos nos ambientes virtuais de aprendizagem, multiplicam-se sujeitos individuais,
instáveis e efêmeros. (BAUMAN, 1998).
Por outro lado, a busca de visibilidade, que acaba por se converter em
sinônimos de legitimidade, põe em cena indivíduos intercambiáveis e prontos a
serem instrumentalizados por uma Educação incoerente que muitas vezes deixa a
própria formação à deriva dos próprios sujeitos, sublinhando que a
exteriorização do ser humano acarreta o estreitamento da consciência, e as
conseqüências variam conforme os interesses, evidenciando o empobrecimento
cultural dos espaços formativos.
Elemento central neste debate merece o lugar do desengajamento, pois
reforça a visão que se pode ter da crise que se criou no forte jogo de
aparências entre os diversos campos do saber arqueológico ligados ao poder e a
dominação como mecanismos de alienação e humilhação imposto pelas ações
curriculares, constituindo importante implicação para o entrave na reflexão
como ação transformadora. (HAROCHE, 2010).
Pensando nisto, a Pedagogia ocupa-se das tarefas de pensar a formação
humana em contextos determinados por marcos espaciais e temporais e, neste
ensaio crítico se oferece a refletir o Campo Científico investigando-o como
objeto, implicado em considerações que se propõe às mudanças significativas da
realidade atual que se mostra ao mesmo tempo homogêneo e heterogêneo, afetado
pelos sentidos e significados que indivíduos e grupos impõem à criação de
múltiplas culturas, múltiplas relações, múltiplos sujeitos. (LIBÂNEO, 2005. p.
15).
Aos que se ocupam da educação como campo científico, é requerido que
façam opções pedagogias, ou seja, assumam um posicionamento sobre os objetivos
e modos de promover o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos inseridos em
contextos socioculturais e institucionais concretos. Os Arqueólogos, tanto os
que se dedicam à pesquisa quanto os envolvidos diretamente na atividade
docente, enfrentam uma realidade formativa imersa em perplexidades, crises,
incertezas e pressões sociais que dissolvem crenças e utopias. Exigem-se muito
do Campo Científico em todos os níveis, grupos e segmentos sociais, mas há cada
vez mais dissonâncias, divergências e múltiplas variedades de interesses e
pensamentos, envoltos em diagnósticos nem sempre verdadeiros que se fundamentam
e se elevam como verdades absolutas através de posicionamentos e soluções nem
sempre verificáveis.
O referencial mostra que aos poucos, um novo contexto vai se
estabelecendo como uma ponte entre a fantasia e a realidade gerando conceitos
atitudinais recorrentes e producentes por meio do campo disciplinar. Edgar Morin
amplia a reflexão:
(...) É
verdade que os estudantes começam a sair mais de casa e passam a ter outros
interesses, mas um dos principais motivos é que os professores tornam a
Literatura chata, decupando-a em partes pequenas e analisando minuciosamente o
seu vocabulário, em vez de dar mais valor ao sentido do texto, à sua ação.
(2003, p. 21).
Talvez a ressonância mais problemática disso se dê na sala de aula, onde
decisões e conceitos nem sempre convergem para uma reflexão apropriada ao
contexto interdisciplinar; também é no ambiente formativo que se efetivam ações
imediatas e pontuais, que precisam legitimar a motivação latente ao Fazer
Pedagógico pelo Fazer Arqueológico, visando promover mudanças qualitativas no
desenvolvimento e na aprendizagem dos sujeitos em situação de formação. Pensar
e atuar no Campo Científico de qualquer área nem sempre é favorável aos
preceitos do que se acredita, enquanto atuação e atividade social que anseia
por mais humanização, implicando novas configurações, responsabilidade social e
ética não apenas no ato do fazer, mas no porquê fazer, como fazer, quando
fazer.
(...) Para
uma renovação do ensino, precisamos não só de uma renovação epistemológica dos
professores, mas que essa venha acompanhada por uma renovação didático-metodológica
de suas aulas. Agora não é só uma questão de tomada de consciência e de
discussões epistemológicas, é também necessário um novo posicionamento do
professor em suas classes para que os alunos sintam uma sólida coerência entre
o falar e o fazer (...). (CARVALHO, 2011. p. 21).
Outra questão problemática nas relações de poder no Campo Cientifico,
refere-se a conseqüências impostas pelos diferentes grupos quando da acumulação
de conhecimentos científicos e técnicos produzidos pela Modernidade. Entre
elas, a mais típica foi a constituição de campos disciplinares isolados,
fragmentados, ignorando o conjunto de que faz parte e a perda de significação
entre o sujeito que aprende e o sujeito que ensina. Com isso, a própria
sociedade científica passou a reproduzir essa fragmentação, dissociando a
cultura escolar da cultura dos valores que se irmanam pela economia e pela
política, formando o grande sistema de valores ao qual todos os agentes de
transformação estão bricolados.
(LIBÂNEO, 2005. p. 22).
Edgar Morin é tácito em perceber que o Campo Científico e as artimanhas
de poder que derivam autoridade, deveriam priorizar mais o ensino das
complexidades, que destaca a mudança na forma de pensar, pelo campo
transdisciplinar, para ampliar os diversos pontos de vista que se associam aos
diferentes “feudos científicos”, pois a construção dos saberes
transdisciplinares ampliaria a compreensão da organização social de cada campo ou
área de atuação a ser estudada, tendo bastante sintonia com as principais
questões políticas de cada contexto abordado em sala de aula através das
teorias, tendo em vista a importância do ensino contra-fragmentado. Sua observação vai muito mais longe ao falar ao
professor sobre suas responsabilidades:
O
professor deve ter consciência da importância de sua disciplina, mas precisa
perceber também que, com a iluminação de outros olhares, vai ficar muito mais
interessante o seu trabalho. O professor pode procurar ter essa cultura menos
especializada, enquanto não existir uma mudança na formação e na organização
dos saberes. O professor de Literatura precisa conhecer um pouco de história e
de psicologia, assim como o de matemática e o de física necessitam de uma
formação literária. Hoje existe um abismo entre as humanidades e as ciências, o
que é grave para as duas. Somente uma comunicação entre elas vai propiciar o
nascimento de uma nova cultura escolar, e essa, sim, deverá perpassar a
formação de todos os profissionais da educação. (MORIN, 2009, p.22).
Algumas correntes modernas no Campo Científico tentam rearticular seus
discursos face às transformações que marcam a contemporaneidade, e nesta
sociedade do conhecimento os diversos territórios do referido campo de atuação
científica tem construído denominações para falar pelo poder e pelas contradições.
Michel Foucault acredita que o pensamento contemporâneo cria um processo de
ruptura com a Modernidade, marcado pelas contradições nas relações de poder e
admite ser possível, em função das freqüentes crises na formação do pensamento,
o homem moderno viver numa condição Pós-moderna. Através das relações de poder,
o Filósofo Michel Foucault acredita ser possível a luta contra padrões de
pensamento e comportamentos.
Foucault trata as contradições do pensamento principalmente quando estas
não estão localizadas em uma instituição, mas quando reprime e produz efeitos
de saber e verdade. Ele estudou o poder não para criar uma teoria, mas para
identificar os sujeitos atuando sobre outros sujeitos.
(...)
Trata-se de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações
(...) captar o poder nas suas formas de instituições mais regionais e locais,
principalmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o
organizam e delimitam (...). Em outras palavras, captar o poder na extremidade cada
vez menos jurídica de seu exercício. (FOUCAULT, 1979. p. 182).
No que se refere ao poder, ainda sob a análise de Foucault, existe um
triângulo em que cada item mencionado (poder, direito e verdade) se encontra
nos seus vértices. Neste triângulo, Foucault vem demonstrar o poder como
direito, pelas formas que a sociedade o coloca em pleno movimento, ou seja, se
há rei, há também súditos, então há quem opere o controle pela obediência. O
poder como verdade vem se instituir, ora pelos discursos, ora pelos movimentos
dos quais se tornam vitimados qualquer relação que se constitua pela ordenação
a qual se submete um organismo numa organização, que por vezes deriva da
consciência e da reflexão. O próprio
Foucault sentencia:
(...)
Para assinalar simplesmente, não o próprio mecanismo da relação entre poder,
direito e verdade, mas a intensidade da relação e sua constância, digamos isto:
somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que
necessita dela para funcionar, temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos
condenados a confessar a verdade ou encontrá-la. (FOUCAULT, 1999. p. 29).
Michel Foucault normalmente define o poder, ainda sob a análise das relações
que marcam o advento da Modernidade, por meio de uma dicotomia entre os dois modelos
maiores de funcionalidade das relações que se estabelecem pelo poder: o “bio
poder” e a “biopolítica”, um é soberano e o outro é disciplinar. O primeiro
ocorre desprovido de centro e é disseminado por parecer vir de todos os
lugares, operando em várias direções e atuando em várias instancias e níveis, é
o chamado poder horizontal. Por não ter centro, ele aparece como impessoal,
como não exercido em nome de alguém, um poder de estruturas que submete a todos
sem distinção, daí por que Foucault chama de “poder disciplinar” que constitui
o “biopoder”. (FOUCAULT, 2010).
O biopoder interessa a Foucault principalmente devido à sua capacidade
individualizadora, o Filósofo tende a pensar que o efeito maior do poder
disciplinar é o que poderíamos chamar de remanejamento em profundidade das
relações entre singularidade somática e indivíduo. Já a biopolítica pode ser
compreendida por entre os impasses que se criam para entender o que se esta em
jogo, quando as relações se tornam cada vez mais indissociáveis, mas reflete a
compreensão do todo pelo singular. (FOUCAULT, 2010).
É neste contexto que se devem ler as relações de poder que se configuram
pelo Campo Científico, pois o que se quer entender é como se desenvolvem as
razões governamentais que não estão diretamente vinculadas à razão de qualquer
natureza, quer seja a que delibera ou a que opera o sistema de perpetuação dos
interesses, mas que, ao contrário, parecem como um peculiar princípio de
ordenação. Esta razão será indissociável do desenvolvimento interventor dos
mecanismos de vigilância e controle, mesmo quando a pauperização e a
desigualdade estejam a favor dos interesses bilatérias. O Campo Teórico precisa
mostrar como o desenvolvimento da cientificidade opera em sua própria defesa,
estabelecendo fatores que são fundamentais para assegurar a auto-limitação do
poder estabelecido. Neste sentido, o Campo Científico cria condições para o
pleno funcionamento das técnicas, da aprendizagem e da educação. Ela será
maciça no campo social e discreta nos processos diretamente econômicos.
Nesta perspectiva, pode-se
entender o poder como uma ação imposta sobre outras ações. Foucault discorre
sobre as relações de poder impostas, seja pelas instituições ou pelos
discursos, ambos fortemente marcados pela disciplina que traz consigo uma
maneira específica de punir pela vigilância. (FOUCAULT, 2008. p. 149). É pela
disciplina que as relações de poder se tornam mais facilmente observável, pois
é por meio da mesma que se estabelecem as relações opressor-oprimido,
mandante-mandatário, persuasivo-persuadido, e tantos quantos se estabeleçam e
exprimam relações de comando e comandados. (FOUCAULT, 2008. p. 149).
Nota-se que não se trata de tentar imprimir o óbvio pensando em corrigir
efeitos destrutivos no Campo Científico sobre a sociedade da informação. Pretende-se
entender como esta mesma sociedade se comporta diante da dinâmica concorrencial
e mercantil. Para tanto, será necessária uma verdadeira engenharia social capaz
de formalizar todas as tarefas da vida pública a partir da esfera local quando
propuser algo para os saberes globais como interferência do singular para o
geral, trocando sempre a unidade elementar do enfrentamento pelo aspecto
dialógico da intervenção entre o conhecer, o compreender, o humanizar e o
transformar. É papel do Campo Científico é estreitar as relações entre os
diferentes saberes para valorizar investimentos e garantir sua aplicabilidade
no aspecto da Formação de outros modelos, quando a condição humana der
efetivamente lugar a uma condição pós-moderna.
Considerações Finais.
A discussão deste ensaio assumiu como finalidade refletir sobre algumas
questões que pontuam o Fazer Pedagógico pelo Fazer Arqueológico, quando é
necessário pensar a formação dos novos arqueólogos pelo prisma das abordagens
críticas que passam pelo Currículo e são definidas no cotidiano da sala de aula
pelo Projeto Político Pedagógico de cada Instituição de Ensino ao serem
elaborados os eixos centrais do debate formativo que tem na sala de aula o
apoio teórico que facilitará as relações de compreensão e aprendizagem para o
trabalho de campo.
Neste cenário, para que se alcance o objetivo proposto foi preciso trazer
para o campo reflexivo os principais pressupostos epistemológicos que norteiam
o Currículo Oficial em tempos em que é preciso atender aos apelos de
subjetividade que expressam os sentidos da crise e do colapso nas perspectivas
do mundo moderno.
É evidente que quando se propõe compreender os enunciados teóricos que
documentam os diferentes olhares que estruturam nossas instituições de ensino,
há uma preocupação maior em se fazer entendido sobre o papel que cada educador
exerce no ato formativo e, isso, ainda é no Brasil uma questão muito
melindrosa, devido ao fato da classe professoral ter pouca tradição no que
tange pensar os sujeitos como sujeitos históricos responsáveis pelas suas
próprias incertezas. É fato que diferentes olhares sobre o mesmo foco
educacional dividem muitos educadores, mas é preciso dar sentido à formação
desses diversos olhares para se alcançar os desafios significativos da
profissão do arqueólogo para a contemporaneidade entendendo os novos rumos que
a Educação se propõe, através do currículo sistematizado, tendo como objetivo o
enfrentamento já agora no século XXI, dos problemas que assolam a formação atendendo
o que pede os eixos centrais desse debate social, quer seja o domínio técnico
numa época em que a produção do conhecimento tornou-se crucial para o
desenvolvimento econômico e social, quer seja a própria formação como condição
de ascensão. Daí a importância de se repensar o lugar da Universidade como
espaço de subjetividade e seus dispositivos de controle instituídos pela Razão
Pedagógica, porque esse espaço é fruto da conquista social travada ao longo de
décadas, onde o mesmo espaço que demanda subjetividade já foi pensado como
espaço de domesticação e hoje cumpre o papel de trazer a realidade para dentro
dos seus adornos para falar a ela sobre mudanças em tempos de crise.
Portanto, é função de educadores e sociedade pensar essas questões para
inclusive melhorar a forma de atuação dos diversos profissionais que se formam
nas Universidades Brasileiras tendo como perspectivas o mercado de trabalho e
sua tão almejada ascensão social, que deve ser gerida para contribuir com as
diretrizes propostas pelo Plano Nacional de Educação, quando o mesmo enfatiza
que a prioridade maior é o desenvolvimento regional com sistematicidade,
equidade e potencialidade. O Ofício do Arqueólogo é crucial nesta empreitada
que atende pela necessária compreensão do todo em detrimento de uma pequena
compreensão do singular e, numa perspectiva educacional, somente o protagonismo
e as iniciativas coletivas poderão garantir que subjetividade em tempos de
crise possa transformar o presente que é tão contraditório, em um futuro com
mais esperanças através da Educação como Prática da Liberdade.
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