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Núcleo de Estudos Foucaultiano © Gênesis Naum de Farias
Poeta Bruxulesco® - Professor da Universidade
Federal
do Vale do São Francisco– UNIVASF.
São Raimundo Nonato/PI/Brasil.
E-mail: nucleofoucaultiano@gmail.com
Entre o onírico e o real, o passado é um fantasma que assusta,
reacende princípios, exalta valores, se fecha ou se fortalece, mas continua no
passado como um problema, para o presente pensar o futuro. Isso ocorre com a
trabalhosa profissão do Arqueólogo. Ele carrega nos ombros a matéria da
existência, e nesta busca por uma razão esclarecedora suas observações podem
redefinir mundos, forjar verdades, fortalecer identidades ou até subjugar
homens. Esta questão é pertinente! O que o passado ainda nos reserva? O que
ainda precisamos aprender com ele para enfrentarmos o futuro e impor nosso
próprio tempo?
É bom pensar na hipótese do Arqueólogo Walter Neves quando se
debatia com o problema do Povoamento Americano: “De onde teria vindo Luzia?
Seria ela remanescente de um povo extinto, que ocupou a América há milhares e
milhares de anos e acabou dizimado em guerras e catástrofes naturais?” Hoje a Universidade de
Manchester, na Inglaterra, endossa o trabalho do nobre brasileiro que se
habilitou a estudar a descoberta de 1975 e que atende pela máxima: “o crânio
de Luzia é o mais antigo fóssil já encontrado nas Américas”. Se a ciência tem razão, eis
uma questão a se descobrir!
Mas o que esse exemplo tem haver com o Ofício do Arqueólogo? Às
vezes gosto de pensar a Arqueologia como a ciência da mentira, da impostação,
dos feudos diplomáticos, das comiserações, das conveniências... E penso nos
serviços prestados por esta ciência para uma humanidade desde sempre desumana,
raquítica, pobre, despossuída de
beleza e com valores arcaicos e cheios de perversas
certezas.
É quando me volto ao trabalho do profissional da Arqueologia e
vejo as singularidades nas parcerias com outras disciplinas dentro do discurso
da Ciência Moderna e quero ressignificar
meus conceitos para voltar a acreditar que a mesma sempre foi entendida como a “ciência
que estuda os restos matérias dos povos do passado”. Atualmente, essa é uma
área de mercado que vem conhecendo muitas modificações e ganhando novos métodos
e amplos objetos de estudo, podendo propor outras formas de empreendimento
laboral, frente às demandas regionais e ecológicas, jurídicas e culturais.
A Arqueologia ao longo do tempo ampliou conceitos e propôs
rupturas, mas nunca perdeu de vista o estatuto do conhecimento que a leva a se
preocupar com o estudo das antigas culturas da humanidade. Atrelado a isto, é
nominalmente taxada de “velha”, “antiga”, “arcaica” e outros arquétipos mais.
No geral, os arqueólogos limitam o entendimento a percebê-la como disciplina a
partir do exato instante em que se passou a explicar procedimentos em
detrimento apenas de colecionar objetos.
Então, a Arqueologia é definida na maioria das vezes como o
“estudo sistemático dos restos materiais da vida humana já desaparecida” (isso
quando a definição parte da necessidade do estudo de antiguidades); quando o
seu estatuto passa a se preocupar com comportamentos, ela é enfática: “É a
reconstrução da vida dos povos antigos”.
Há também os que a consideram uma subdisciplina; os que se
preocupam apenas com as culturas humanas; os que se cercam das manifestações
materiais das ditas culturas; os que vendem suas almas ao dinheiro ou os que se
filiam ao “contrato” (câncer para o ensino formal e intelectual). Enfim, há
gosto para tudo nesta ciência, porém o importante é nunca perder de vista que
se deve ter algum tipo de comprometimento com a seriedade científica.
Veja que mesmo havendo apenas a preocupação com o utensílio como
elemento cronológico, esse estudante ou estudioso da área, curioso ou qualquer
que seja o termo, deverá pensá-lo como objeto de estudo, quer seja estético ou
prático; seu instrumento de trabalho (o pensamento, a lucidez, o compromisso, a
missão) deverá atentar-se sempre para o fato de que há naquele objeto mais que
pensamento; há valores de uma cultura que precisa do presente para gerir novas
culturas e tornar as fronteiras do conhecimento menos amargurante para quem
precisa desses valores para se reencontrar com suas incertezas históricas no
futuro.
Portanto, o estudo é ainda mais sério; passa por investidas
intelectuais significativas como ser um estudante que gosta de ler, por
exemplo, ─; ler para conhecer, ler para ter um posicionamento, ler para melhor
se informar, ler para ser em detrimento
do ter somente, como causa e efeito do possuir como poder de uso e desuso para
usufruto dos saberes.
Como vinha pensando, a Arqueologia Moderna se bricola com
outras disciplinas. Trabalha sempre com o horizonte conceitual de que precisa
estabelecer cronologias, datar objetos, descrever costumes, escrever
histórias... Para tanto, precisa se certificar de outros saberes para chegar a
resultados como datações que precedem ora da Física (carbono 14), ora da Geologia
(técnicas geológicas), ora da Paleontologia (restos faunísticos), ora da
Sociologia, Geografia, Demografia, Economia e Ciências Públicas ─; quando o que
se quer for reconstruir formas de vida para pensar a sustentabilidade ou o
contrário.
E o resultado disso uma Enciclopédia disse-me outro dia: “Na
atualidade, os arqueólogos dedicam sua atenção aos materiais recentes e
investigam os resíduos e os depósitos urbanos, originando a denominada
Arqueologia Industrial”.
É visível que
o Ofício do Arqueólogo não é fácil, visto que há uma demasiada preocupação em
salvaguardar princípios, preconceitos, relações de poderes e conflitos pessoais
que destroem relações e até sonhos muito antigos. Tudo isso aplicando etapas. O
Pesquisador Argentino Andrés Zarankin (2002, p. 27) afirma: “Como arqueólogos, criamos um discurso sobre
o passado traduzindo objetos em discursos. Para isso os articulamos de modo que
essas características do passado tenham coerência e sentidos para nós.
Trabalhamos com coisas mortas que ressignificamos continuamente e fazemo-las
contemporâneas, para depois matá-las ao congelá-las num discurso estático sobre
o passado (...)”.
É como estudar por decapagem, mas o trabalho é reconfortante;
requer vontade, transcendência, paixão, romantismo, coragem para “matar leões
todos os dias”. Ou seja, superar diferenças, olhar para frente, conviver e unir
inteligência com prudência para se ambientar ao “Mundo Perdido”, que por sinal
foi o primeiro grande romance de aventuras arqueológicas de Arthur Conan Doyle
─ criador do Sherlock Holmes ─ a primeira influência romanesca dos grandes
exploradores. A Arqueologia é isso, “um museu de grandes novidades”.