domingo, 9 de setembro de 2012

O Ofício do Arqueólogo


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Núcleo de Estudos Foucaultiano © Gênesis Naum de Farias

Poeta Bruxulesco® - Professor da Universidade Federal

do Vale do São Francisco– UNIVASF. São Raimundo Nonato/PI/Brasil.


 

 

 

Entre o onírico e o real, o passado é um fantasma que assusta, reacende princípios, exalta valores, se fecha ou se fortalece, mas continua no passado como um problema, para o presente pensar o futuro. Isso ocorre com a trabalhosa profissão do Arqueólogo. Ele carrega nos ombros a matéria da existência, e nesta busca por uma razão esclarecedora suas observações podem redefinir mundos, forjar verdades, fortalecer identidades ou até subjugar homens. Esta questão é pertinente! O que o passado ainda nos reserva? O que ainda precisamos aprender com ele para enfrentarmos o futuro e impor nosso próprio tempo?

É bom pensar na hipótese do Arqueólogo Walter Neves quando se debatia com o problema do Povoamento Americano: “De onde teria vindo Luzia? Seria ela remanescente de um povo extinto, que ocupou a América há milhares e milhares de anos e acabou dizimado em guerras e catástrofes naturais?” Hoje a Universidade de Manchester, na Inglaterra, endossa o trabalho do nobre brasileiro que se habilitou a estudar a descoberta de 1975 e que atende pela máxima: “o crânio de Luzia é o mais antigo fóssil já encontrado nas Américas”. Se a ciência tem razão, eis uma questão a se descobrir!

Mas o que esse exemplo tem haver com o Ofício do Arqueólogo? Às vezes gosto de pensar a Arqueologia como a ciência da mentira, da impostação, dos feudos diplomáticos, das comiserações, das conveniências... E penso nos serviços prestados por esta ciência para uma humanidade desde sempre desumana, raquítica, pobre, despossuída de beleza e com valores arcaicos e cheios de perversas certezas.

É quando me volto ao trabalho do profissional da Arqueologia e vejo as singularidades nas parcerias com outras disciplinas dentro do discurso da Ciência Moderna e quero ressignificar meus conceitos para voltar a acreditar que a mesma sempre foi entendida como a “ciência que estuda os restos matérias dos povos do passado”. Atualmente, essa é uma área de mercado que vem conhecendo muitas modificações e ganhando novos métodos e amplos objetos de estudo, podendo propor outras formas de empreendimento laboral, frente às demandas regionais e ecológicas, jurídicas e culturais.

A Arqueologia ao longo do tempo ampliou conceitos e propôs rupturas, mas nunca perdeu de vista o estatuto do conhecimento que a leva a se preocupar com o estudo das antigas culturas da humanidade. Atrelado a isto, é nominalmente taxada de “velha”, “antiga”, “arcaica” e outros arquétipos mais. No geral, os arqueólogos limitam o entendimento a percebê-la como disciplina a partir do exato instante em que se passou a explicar procedimentos em detrimento apenas de colecionar objetos.

Então, a Arqueologia é definida na maioria das vezes como o “estudo sistemático dos restos materiais da vida humana já desaparecida” (isso quando a definição parte da necessidade do estudo de antiguidades); quando o seu estatuto passa a se preocupar com comportamentos, ela é enfática: “É a reconstrução da vida dos povos antigos”.

Há também os que a consideram uma subdisciplina; os que se preocupam apenas com as culturas humanas; os que se cercam das manifestações materiais das ditas culturas; os que vendem suas almas ao dinheiro ou os que se filiam ao “contrato” (câncer para o ensino formal e intelectual). Enfim, há gosto para tudo nesta ciência, porém o importante é nunca perder de vista que se deve ter algum tipo de comprometimento com a seriedade científica.

Veja que mesmo havendo apenas a preocupação com o utensílio como elemento cronológico, esse estudante ou estudioso da área, curioso ou qualquer que seja o termo, deverá pensá-lo como objeto de estudo, quer seja estético ou prático; seu instrumento de trabalho (o pensamento, a lucidez, o compromisso, a missão) deverá atentar-se sempre para o fato de que há naquele objeto mais que pensamento; há valores de uma cultura que precisa do presente para gerir novas culturas e tornar as fronteiras do conhecimento menos amargurante para quem precisa desses valores para se reencontrar com suas incertezas históricas no futuro.

Portanto, o estudo é ainda mais sério; passa por investidas intelectuais significativas como ser um estudante que gosta de ler, por exemplo, ─; ler para conhecer, ler para ter um posicionamento, ler para melhor se informar, ler para ser em detrimento do ter somente, como causa e efeito do possuir como poder de uso e desuso para usufruto dos saberes.

Como vinha pensando, a Arqueologia Moderna se bricola com outras disciplinas. Trabalha sempre com o horizonte conceitual de que precisa estabelecer cronologias, datar objetos, descrever costumes, escrever histórias... Para tanto, precisa se certificar de outros saberes para chegar a resultados como datações que precedem ora da Física (carbono 14), ora da Geologia (técnicas geológicas), ora da Paleontologia (restos faunísticos), ora da Sociologia, Geografia, Demografia, Economia e Ciências Públicas ─; quando o que se quer for reconstruir formas de vida para pensar a sustentabilidade ou o contrário.

E o resultado disso uma Enciclopédia disse-me outro dia: “Na atualidade, os arqueólogos dedicam sua atenção aos materiais recentes e investigam os resíduos e os depósitos urbanos, originando a denominada Arqueologia Industrial”.

É visível que o Ofício do Arqueólogo não é fácil, visto que há uma demasiada preocupação em salvaguardar princípios, preconceitos, relações de poderes e conflitos pessoais que destroem relações e até sonhos muito antigos. Tudo isso aplicando etapas. O Pesquisador Argentino Andrés Zarankin (2002, p. 27) afirma: “Como arqueólogos, criamos um discurso sobre o passado traduzindo objetos em discursos. Para isso os articulamos de modo que essas características do passado tenham coerência e sentidos para nós. Trabalhamos com coisas mortas que ressignificamos continuamente e fazemo-las contemporâneas, para depois matá-las ao congelá-las num discurso estático sobre o passado (...)”.

É como estudar por decapagem, mas o trabalho é reconfortante; requer vontade, transcendência, paixão, romantismo, coragem para “matar leões todos os dias”. Ou seja, superar diferenças, olhar para frente, conviver e unir inteligência com prudência para se ambientar ao “Mundo Perdido”, que por sinal foi o primeiro grande romance de aventuras arqueológicas de Arthur Conan Doyle ─ criador do Sherlock Holmes ─ a primeira influência romanesca dos grandes exploradores. A Arqueologia é isso, “um museu de grandes novidades”.