sexta-feira, 10 de maio de 2013

O Adeus às Armas



Núcleo de Estudos Foucaultiano© Gênesis Naum de Farias
Poeta Bruxuesco® -Prof.º da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. São Raimundo Nonato/PI/Brasil.

 


Num dia de Primavera, onde se inventam paixões e se enviam flores aos amores tardios, o ancião Alcestes Saladino se despede dos seus segredos ao descrever seus retratos mais íntimos numa saudade tão densa que o fazia definhar como um cego perdido no mundo que criou para si ao recordar-se dos anos que se perderam no estro com tantas incertezas. O cenário parecia um idílio romântico, onde toda fortuna parecia recortada por tantas angústias que nem se apercebia que o dia dava lugar à noite que chagava com tanta pressa, anunciando o brilho de outras estrelas naquele céu de almirante. Estava decidido a fechar-se no silêncio de si e entregar-se às preces para seguir o ritmo dos ciclos litúrgicos, através de retiros espirituais. Em comunhão, entregou-se aos pensamentos na esperança de encontrar conforto às suas desilusões clamando aos céus: vocatus atque non vocatus, Deus aderit (Chamado ou não, Deus estará presente). Era um começo de noite e passava sua vida a limpo perguntando-lhe pelos desencontros do arrebol e suas eternas despedidas. Ele entendia suas mágoas como uma troça de fim de festa. Tardiamente, percebia que não conseguiria se perdoar, por ter se fechado durante muito tempo no orgulho de si, em proposições de um delírio gutural que fazia do instante um caso sem reverso. Saladino tinha mania de cantarolar versos de toda gente e aos poucos foi se acostumando a solfejar alguns que lhe insurgia na memória, mas continuou sua desdita na ânsia de falar do seu eu em pensamentos longos, que naquele início de noite duraria uma eternidade. Dizia-se Poeta e como tal, tinha que sucumbir ao sofrer. O momento era de lembranças esquecidas, quando de repente se recordou de um lamento errante. Era um lindo poema nunca antes composto, feito um banquete de alegria que se perdeu com o vazio da sina: “Tu, único sol, vem! Sem ti as flores murcham, vem! Sem ti o mundo não é senão pó e cinza. Este banquete, esta alegria, sem ti são totalmente vazios, vem!”. A seqüência de imagens sonoras não parou por aí e outros versos bateram-lhe as portas da percepção. Um destes foi rapidamente lembrado e retirado da lavra de um português muito antigo que disse em prece da casualidade que toda saudade era uma pedra no cais. Mas aquele velho mouro não conseguia calar a mente que fervilhava em constipações ancestrais. Retorcendo-se em seus próprios sentimentos, dizia para si da saudade lírica das noites de boêmia, pois nestas madrugadas fora amado e amou platonicamente a Flor do Lácio, quando na distância do cais, a saudade se fazia temerária, o amor engravidava sua mente; até que um dia “O teu amor veio até meu coração e partiu feliz. Depois retornou, vestiu a veste do amor, mas mais uma vez foi-se embora. Timidamente lhe supliquei que ficasse comigo ao menos por alguns dias. Ele se sentou junto a mim e se esqueceu de partir e enfim, partiu...”. Alcestes Saladino não era de embromo, e suas referências sentimentais se perdiam no silêncio daquele espaço estrelado onde mãos e pinceladas magras, traçavam o vazio da devoção. Queria que o curso da noite desalinhasse seu último exílio na ausência de cores sem a presença de sons nem palavras. Agora entendia a experiência de Santo Agostinho em suas Confissões: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei. / Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora a procurar-te! / Estavas comigo e eu não estava contigo. / Eu tenho sede e fome de ti. / Tu me tocaste e ardi no desejo de tua paz... / E nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em ti”. Ele parou um instante e refletiu mais uma vez sobre as afirmações que lhe saíam da alma e, feito um transeunte, retomou seu discurso, silenciado pela imponência da comunhão vivida em outros tempos, quando a linha austera da vida lhe cobrava alguma coisa daquele cenário. A conclusão daquela proclamação contorcia tanto aquele velho mouro que a certo momento disse para si: ─ O amor me matou e hoje sou uma personagem que já nasceu desse teatro tétrico, construído para as tragédias do labor do concreto, retratado no funéreo silêncio de emoções estáticas... ─ O langor daquela frase calou-o por um instante, e novamente fez renascer as virtudes nobres de um cavaleiro melancólico que se lamentava ao se referir à sombra nociva que se tornou com o passar dos dias, calado pelo desdém do sentimento que insistia vivo. Afinal, refez projetos, mudou seus feitos, compreendeu os erros da juventude e encontrou um jeito próprio de enfeitar as noites do seu bem. Já não havia nenhuma possibilidade de se tornar o homem que foi em outros tempos: amável, amante, sincero, correto, atencioso, amoroso, gentil e generoso. Resolve então pensar no consolo dos livros, amigos tão fiéis. Era o retorno à essência do que mais gostava de fazer: ler e sonhar com as estrelas, feito um Decifrador de Acasos. Era um desfecho avassalador para se viver ao longo de uma Primavera: “(...) conduzir-me sem ideias, sem interesse, no meio do desencadear de interesses confessados e inconfessáveis. Sou uma espécie de imposto mínimo, e por isso nem sou malandro, nem mendigo, nem um homem como qualquer, porque não quero mais do que isso”. ─ Ao troar daquela cena, parou de descrever-se por alguns instantes e, depois de um longo período, contemplou aquele brado tardio, com o olhar de quem vê e não enxerga, parado para o poente, até perceber que a noite pairava nos meandros e sua triste figura esperava apenas o conforto daquelas inquietas existências. Naquele instante de solidão, falou a Deus e entrou novamente em comunhão, silenciado pelo Infinito, ao perceber que aquele era o seu tempo de transcendência... Sua displicência foi tanta que se perdeu no sinuoso verso que à memória soprava-lhe: “Amo-te tanto Jarina, / Nesta distante insensatez / Onde a alma canta as ternuras / Da solidão da paisagem/ Na imensidade fugidia do silêncio / Ao embriagar das despedidas...”.

 

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